sexta-feira, 24 de maio de 2019

Da Vida de um Imprestável (Aus dem Leben eines Taugenichts), de Joseph Freiherr von Eichendorff - RESENHA #97

Eichendorff foi um dos últimos autores do Romantismo alemão, sendo mais lembrado como poeta. De sua prosa, até bem pouco tempo, não contávamos com nenhuma tradução para o português. Em 2014, a editora Oficina Raquel finalmente nos trouxe a famosa novela Da Vida de um Imprestável (1826), em tradução de Fernando Miranda.

Tenho observado bastante que, de modo geral, quando um poeta aventura-se pela prosa de ficção, suas narrativas têm marcas poéticas bem definidas. Com Eichendorff não foi diferente. Da Vida de um Imprestável possui um lirismo típico que assentou bastante à proposta da novela, que mais parece a descrição de um sonho ou devaneio do narrador/eu-lírico. A narrativa, embora de linguagem simples, é cheia de elementos obscuros que dificultam em parte a compreensão, especialmente porque o autor guarda muitas explicações para o capítulo final.

Temos aqui um narrador anônimo que, por ser um imprestável, é expulso de casa pelo pai. Munido de seu violino, ele segue livremente à procura da felicidade. Executando músicas pela estrada, chama a atenção de duas damas que passavam numa carruagem e que logo o convidam a seguir com elas para um castelo em Viena. Enamorado de uma delas, o narrador decide acompanhá-las, sendo logo empregado na função de jardineiro. Por seus modos delicados, em pouco tempo assume a função de coletor de impostos.

Sempre buscando agradar à dama de seus pensamentos, o narrador cultiva flores para ofertá-la com belíssimos buquês. Uma noite, porém, ao vê-la acompanhada por um nobre, supõe-na já comprometida e, para esquecê-la, decide deixar o castelo e partir para a Itália. Durante o trajeto, é abordado por dois pintores que o obrigam a conduzi-los até determinada cidade, onde ficam hospedados numa taberna. Subitamente os pintores desaparecem, restando ao narrador seguir sozinho na carruagem dos artistas.

O próximo desembarque se dá num luxuoso castelo, onde o narrador é recebido e tratado com todas as cortesias possíveis, embora sem compreender o motivo de tantas distinções. Para sua surpresa, recebe uma carta supostamente enviada por sua amada, exigindo seu retorno. Seu desejo imediato é de regressar ao castelo em Viena, mas seus prestimosos serviçais parecem não estar dispostos a deixá-lo partir.

A narrativa prossegue por esta obscura jornada de nosso narrador anônimo, onde ele passa por situações estranhas, sempre confrontando-se com personagens igualmente estranhos. Essa atmosfera misteriosa combina perfeitamente com o estilo contemplativo do autor, onde temos a apreciação da natureza e da música. Contudo, o leitor pode impacientar-se com a carência de informações e detalhes sobre personagens importantes, como a própria amada do narrador, sobre quem pouco sabemos antes do capítulo final. A longa sequência de episódios insólitos e inexplicáveis faz mesmo crer que tudo não passa de um devaneio do violinista.

Da Vida de um Imprestável, mesmo com seus toques de novela picaresca, flerta com o gênero gótico, consumando-se em obra no mínimo “estranha”. A impressão que tinha era mesmo de estar lendo uma narrativa fantástica, deixando-me levar pelas mudanças de cenários e tipos, como se estivesse mesmo sonhando...

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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