Encerradas
as leituras do ano, vamos comentar, como de costume, os títulos mais marcantes
que, diferente do que ocorreu ano passado, foram muitos. Ainda que tenha dado 5
estrelas a apenas 3 títulos (portanto, menos que em 2016), não foi nada fácil
fazer essa seleção, pois muitos livros beiraram a avaliação máxima. Mais
difícil ainda foi classificar as escolhas por ordem de preferência, mas não
querendo romper com minhas tradições, abracei o desafio, e aí estão pois os
bonitos, do último ao primeiro colocado. Todos tiveram uma resenha em vídeo,
publicadas todas elas no canal Literatura & EU; deixarei os títulos
hiperlinkados, para o caso de vocês terem perdido alguma ou, quem sabe, quererem
rever.
2017
definitivamente foi um ano dedicado a Eça, mas, infelizmente, não me senti
devidamente recompensado por essa dedicação. Dos quatro livros lidos, apenas
este Alves & Cia. foi merecedor
de 4 estrelas. Obra póstuma, trata-se de uma novela sobre infidelidade
conjugal. Após flagrar a esposa nos braços de seu sócio Machado, Alves cisma em
encontrar uma maneira eficiente de limpar sua honra ultrajada, mas as
conveniências e interesses pessoais poderão intervir cabalmente em sua decisão.
Tive uma das
leituras mais fluidas do ano nesta minha primeira experiência com a literatura
italiana. Franca Lenardon, como também era conhecida a autora de Uma Mulher, está hoje totalmente
esquecida e pouco se sabe a seu respeito. Para mim, foi a descoberta do ano,
merecendo o prêmio de autora revelação
rs. A delicadeza que tem este romance de memórias faz o leitor simpatizar a
romântica Luísa, uma mulher desprovida de ambições materiais, e que sofre da
incapacidade de deixar de amar. Simples, poético e enternecedor.
A
excentricidade já é uma marca notável na literatura francesa, mas o tipo
excêntrico deste Amor de Mãe é
profundamente tocante, porque somos todos sensíveis ao afeto maternal. Daniela
é a personificação da maternidade, sendo ela incapaz de partilhar outros
sentimentos. Pelos filhos, sua razão de viver, será capaz de todos os
sacrifícios. Os artifícios de construção e condução da narrativa usados pelo
prolífico Paul Vialar tornam a leitura excepcional.
Os amores do
nobre Armand Duval com a célebre cortesã Marguerite Gautier inspiraram meu
amado Alencar em Lucíola. O texto,
não sei se pela tradução que li, me pareceu de uma modernidade impressionante,
pois não compartilha do ritmo particular aos romances oitocentistas. O romance
é de uma elegância soberba, seja pelo estilo, seja pela forma; pois é
constantemente belo e gracioso, como que engajado em seduzir o leitor. O único
senão que lhe impediu a nota máxima foi o pouco desvelo na feitura da transição
redentora por que passa Marguerite; o que, a meu ver, foi melhor realizado no
romance de Alencar.
Diferente de
tudo que já li na vida, nunca um romance me pareceu tão tenebroso ou revestido
de uma atmosfera tão diabólica como O
Monge. O próprio diabo constitui um personagem da trama, ainda que, à
primeira vista, de forma implícita. Mas não foram seus mil e um demônios que
conferiram à obra de Lewis uma avaliação excelente. Mas o pior é que o fator
que o engrandece acaba sendo também o defeito que lhe ofusca o brilho. Estou me
referindo à substância colossal do romance que, mesmo não sendo uma obra tão
extensa, dá a impressão de ser muito maior, pela excessiva matéria utilizada
pelo autor, que incluiu em sua obra vários mitos da cultura inglesa. Ainda que
pecando pelos excessos, é uma obra magistral.
Como não ser
atingido por este livro que trata de uma questão que me é tão particular? Qual
poeta nunca foi desdenhado? Qual escritor nunca teve de sacrificar o seu ideal
em virtude das necessidades mundanas? Sou mais um dentre milhões e milhões de
autores que sonham com o dia em que poderemos viver da literatura que
produzimos. Enquanto não chega esse dia, continuemos nos sacrificando para que
não falte feijão em nossa mesa.
Aves de Arribação é uma das obras mais bem executadas da literatura cearense. E o que
mais impressiona é que Antônio Sales não teve que apelar aos horrores da seca para
atingir tão elevado sucesso. Romance subestimado, em grande parte por ser de um
cearense, apresenta uma galeria relativamente pequena de personagens que povoam
uma trama simples, mas devidamente analisados em suas complexidades sob a
perícia de um narrador que, entre a moral e a razão, constrói um ritmo
excitante. Alípio, Florzinha e Bilinha formam um triângulo amoroso que
certamente não esquecerei logo.
Nada do que
eu disser sobre Shakespeare servirá para aumentar-lhe a fama, que já chegou ao
ponto máximo que qualquer artista poderia chegar. Se Otelo não foi a melhor leitura do ano, é seguramente por não
pertencer à forma literária que mais aprecio (e praticamente o restante da
humanidade também): o romance. O que quero dizer é que, por mais entusiasta que
seja do teatro, jamais o elevarei sobre o romance; como também não trocaria Otelo por incontáveis romances maus. A
humanidade dos tipos de Shakespeare é assombrosa; e, a despeito de certos
escrúpulos meus, não posso deixar de admitir que Iago é um dos personagens mais
fantásticos que já foram criados.
Entre este e
o primeiro colocado não há exatamente uma ordem de preferência. Os dois são,
para mim, verdadeiras obras-primas que, não obstante serem completamente
diferentes no que se refere a enredo, compartilham da mesma sensibilidade e
pureza, tão magnificamente expressas por seus autores. O livro A Lagoa Azul acabou perdendo o interesse
das pessoas em consequência da grande popularidade do filme de Randal Kleiser (The
Blue Lagoon, 1980), o que é uma grande injustiça, sendo o romance de Stacpoole
provido de qualidades que os efeitos audiovisuais não puderam transmitir. Acho
o filme excelente, e por ele decidi conhecer o original; não é caso de dizer
que este ou aquele seja melhor: ambos se complementam; e podem acreditar: a
experiência com o livro acrescenta demais! A belíssima tradução de Mario
Quintana talvez, penso eu, tenha melhorado o original que, por si só, já é
exuberante.
O que
esperava quando peguei Os Dois Amores
para ler era uma leitura regular e agradável, tal como tinha sido com O Moço Loiro, lido no ano passado; mas,
desde os primeiros capítulos, estava convencido de que se tratava de uma
proposta diferente. Sempre fui muito sensível ao estilo de Macedo, mas o que
ele me proporcionou com este livro eu jamais irei esquecer. E sabe por quê?
Porque estava precisando. Como um sedento que encontra água, assim foi comigo.
E se me perguntarem o que estava buscando que em Macedo encontrei copiosamente,
eu direi: fé. Quando percebemos tanta maldade à nossa volta, tanta vileza,
tanto egoísmo e tanto desamor, queremos desacreditar do ser humano. Daí, você
lê O Mandarim, e Eça te confirma o
quanto as pessoas são desprezíveis; em seguida, você lê Os Dois Amores, um livro esquecido e aparentemente ingênuo, e vê
que nem tudo está perdido, que a luz e a esperança da humanidade estão em cada
um nós. Precisamos pensar mais no quanto podemos ser melhores do que já somos.
Não podemos perder a fé no homem. Não podemos desistir de nós mesmos.
Daniel Coutinho
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