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Hoje pouco conhecido no Brasil, Noites Lúgubres (1789) foi uma
verdadeira febre no século XIX e influenciou nossos autores da escola romântica.
A obra ficou conhecida por aqui através da tradução de Francisco Bernardino
Ribeiro. Segundo o crítico Brito Broca, a obra de Cadalso teria inspirado
Álvares de Azevedo a escrever Noite na
Taverna.
Publicado postumamente, Noites Lúgubres ficara incompleto. A obra é dividida em “noites”,
sendo que o manuscrito encerra deixando a terceira incompleta. Provavelmente,
essa terceira noite não seria a última. A edição de 1815 traz o final da
terceira noite, provavelmente apócrifo, e que serviu de base para a tradução de
Bernardino Ribeiro. Algumas edições posteriores chegaram a incluir uma quarta
noite. As numerosas edições dessa obra espanhola comprovam seu sucesso, não
obstante ter sido censurada por um tempo, acusada de fazer apologia ao
suicídio. Curiosamente, o manuscrito de Cadalso é datado de 1774, mesmo ano em
que Goethe publica o seu Werther.
Essa divisão do texto em noites e seu estilo
sepulcral advêm da obra Pensamentos
Noturnos, do inglês Edward Young. Mas conta-se que a matéria das Noites é autobiográfica. Cadalso era
apaixonado por uma atriz que morreu subitamente; tragédia esta que lhe teria
inspirado a escrever sua famosa obra.
Ora classificado como conto, ora como novela, Noites Lúgubres está mais para uma peça
teatral. Cada noite vale por um “ato”, observando-se contudo que a cena decorre
em mais de um cenário por “noite”. São essas mudanças de cenário que
provavelmente impedem que a obra seja classificada como peça teatral, ainda que
tenha outras características, como: ausência de narrador, indicação dos
personagens atuantes no início de cada noite/ato, texto sempre disposto em
diálogos com indicação do nome do personagem correspondente de cada fala.
Em Noites
Lúgubres temos uma trama pessimista, mas sob uma ótica romântica. Tediato,
inconsolável com a morte da amada, torna-se um homem desatinado. Ele oferece
dinheiro a Lourenço, um coveiro, para ajudá-lo a exumar o corpo de sua adorada
morta. Contudo, todas as tentativas são baldadas, pois cada noite apresenta um
obstáculo diferente aos planos de Tediato.
Esse melancólico protagonista é um homem
descrente de qualquer sentimento que não seja seu funesto amor. Ele desconfia
da mãe, do pai, dos irmãos e dos amigos, convencido de que apenas sua falecida
amada era sincera em relação a ele. Desolado, ele despreza a luz do dia e só
aprecia a noite em sua completa escuridão. É um morto em vida, sem razão, e com
intenções suicidas.
O pessimismo de Cadalso também é sugerido em
Lourenço que, sendo um pobre miserável, perdeu o pai e a esposa, restando-lhe
sete filhos para criar. A miséria de Lourenço faz Tediato reconhecer que o
sofrimento nivela as classes, pois mesmo tendo dinheiro, seu infortúnio não
seria menos sofrível que o do coveiro. Num acesso de desespero, Tediato convida
Lourenço a cavar uma cova para ele e seus filhos. Em seguida, acrescenta: “Eu
me matarei sobre a tua sepultura, e quando estiver para expirar, direi ‘aqui
descansam meninos a esta hora tão felizes quanto há pouco eram desgraçados’”.
Para Tediato, a morte é a solução mais acertada para toda a miséria humana.
Ainda que apócrifo, devo confessar que o final
de Noites Lúgubres me agradou
bastante, especialmente por ser bem diverso do que o leitor supõe. Contudo, não
compreendi bem a relação existente entre Tediato e o tal juiz que aparece na
terceira noite. Alguém saberá me explicar?
Noites
Lúgubres pode ser adquirido através da edição da editora Bira Câmara
(contato: jornalivros@gmail.com). O maior inconveniente da edição é o
estabelecimento do texto, pois o livro parece não ter sido revisado. Mas, com
ser a única edição disponível atualmente em português, vale muito a pena, pela
oportunidade de se conhecer uma obra pré-romântica da literatura espanhola.
Avaliação: ★★★
Daniel Coutinho
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