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Admito que sempre menosprezei a literatura de
Sidney Sheldon, influenciado fortemente pelos comentários da crítica de que sua
obra é de pouca relevância estética. Contudo, diferente do que ocorre com
outros autores do gênero, Sidney Sheldon despertou-me curiosidade,
especialmente por ser autor de romances policiais.
Não sou um leitor do romance policial. O gênero
nunca me interessou muito. Há pouco tempo é que tenho dado mais atenção a ele,
principalmente aos autores clássicos. Mas chegou dezembro e, como nesse mês
gosto de fazer leituras mais leves e divertidas, decidi iniciar minha
experiência com o romance policial através de Sidney Sheldon. Coincidentemente,
o livro escolhido fora sua premiada obra de estreia: A Outra Face. Pois eu li e gostei. Mas não gostei simplesmente e
pronto. Foi uma leitura tensa, aflitiva, incômoda e desesperadora. Mas gostei
ainda assim e tentarei explicar por quê.
A Outra
Face
nos apresenta o psicanalista Judd Stevens, que é um grande profissional de sua
área. Judd, viúvo, perdera sua esposa (que estava grávida) num acidente de
carro; desde então, nunca mais conseguira amar outra mulher. Para curar-se
dessa traumatizante perda, ele empenha-se calorosamente em cuidar de seus
pacientes, numa necessidade constante de ajudar o próximo.
O romance começa com o assassinato de Hanson, um
dos pacientes de Judd. Hanson, que era homossexual, pretendia “curar” sua
homossexualidade, para dedicar-se inteiramente à mulher e aos filhos. Eis um
dos pontos que me incomodaram na escrita de Sheldon: o tratamento dado aos
homossexuais. Além de seus personagens manifestarem uma postura evidentemente
homofóbica, os únicos gays que aparecem no livro, Hanson e seu parceiro Boyd,
desejam tornar-se heterossexuais. Mas devemos lembrar que o livro foi publicado
na década de 70, quando a intolerância à homossexualidade era mais acentuada
que nos dias atuais.
O assassinato de Hanson leva a polícia ao
consultório de Judd, não só porque ele era médico da vítima, mas porque Hanson
usava uma capa de chuva (propriedade de Judd) quando foi esfaqueado. Judd
explica que emprestara sua capa de chuva a Hanson, justificando o motivo dele a
estar usando no momento do crime. O tenente McGreavy e o detetive Angeli fazem
um interrogatório completo, sendo que Judd se opõe apenas a revelar informações
sigilosas de seus próprios pacientes, o que irrita bastante o tenente McGreavy.
Esse McGreavy é o primeiro personagem do livro
com quem o leitor antipatiza. Além de um caráter ríspido e implacável, ele
demonstra a pretensão de querer incriminar Judd de qualquer maneira, fazendo
crer que o médico de Hanson é o principal suspeito de seu assassinato. Por
outro lado, Angeli percebe a postura do companheiro e o censura, até porque
associa o comportamento de McGreavy a um episódio ocorrido anos passados: o
antigo parceiro de McGreavy fora assassinado por um homem que, ao invés de ser
condenado à morte, foi internado em um sanatório, por ser diagnosticado com
problemas mentais pelo doutor Judd Stevens. Este último também pensa como Angeli;
por isso, vê-se particularmente interessado em descobrir o verdadeiro
assassino.
No mesmo dia do assassinato de Hanson, Carol
Roberts, a secretária de Judd, é assassinada, dentro do consultório. Carol foi
torturada até a morte e teve seu rosto e outras partes do corpo desfigurados
com ácido. Esse segundo crime dá ainda mais motivos a McGreavy para desconfiar
de Judd, que se sente cada vez mais acuado, não só pela pressão do tenente, mas
porque, a partir de então, passa a ser o próximo alvo do assassino. Agora, ele
não precisa só ficar livre de suspeitas, mas salvar a própria pele.
O ritmo de A
Outra Face é bastante tenso. Não sei se isso é característico do romance
policial porque, como disse, é minha primeira experiência com o gênero. O certo
é que me sentia aflito enquanto o lia, pois Judd é daqueles personagens fáceis
de gostar. Compartilhava do seu sofrimento e medo de um iminente ataque que
poderia se dar a qualquer momento. Por mais que lhe alertem para que analise
cada um de seus pacientes, Judd não consegue supô-los como assassinos: Burke,
com sua mania de perseguição; Teri, uma atriz ninfomaníaca; e muito menos Anne,
primeira mulher por quem Judd se apaixona desde que ficara viúvo. Anne é uma
paciente especial para ele, mas já é, infelizmente, casada e parece amar o
marido, embora tenha procurado Judd justamente por um problema relacionado a
seu casamento, problema este sobre o qual Anne sempre hesita falar, mas que a
faz sofrer muito.
Outra impressão negativa que tive, além da
constante tensão já citada, é que o livro todo parece convergir para a
descoberta do assassino. Penso que o autor poderia ter explorado tantos
elementos que enriqueceriam ainda mais a obra, mormente no que diz respeito à
participação de personagens como Anne, que merecia mais espaço no enredo.
Sidney Sheldon acaba criando uma trama tão bem construída, que o leitor deseja
um aprofundamento mais consistente, uma atenção mais detida e minuciosa das
situações. Assim, A Outra Face é para
leitores que gostam de narrativas com ritmo acelerado, sem digressões, sem
intervalos, e texto bastante enxuto. A trama, portanto, me pareceu excelente,
mas o ritmo acelerado me afligia ainda mais, de maneira que, às vezes,
precisava parar a leitura, porque não podia com tanta tensão. Queria não me
envolver tanto (emocionalmente) com os livros rsrsrs.
Agora que li Sidney Sheldon, não hesito mais em
recomendá-lo aos apreciadores do gênero. Gostei da experiência com o autor e
com o romance policial, ainda que tenha sofrido um bocado, como já expliquei.
Com ser um livro de estreia, A Outra Face,
é um livro estupendo. Mas o que me deixou mais feliz e satisfeito mesmo foi —
acreditem se quiser — ter descoberto o assassino rsrsrs. Embora tenha
desconfiado de muita gente, minha suspeita maior acertou em cheio.
Avaliação: ★★★★
Daniel Coutinho
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