Finalmente
li Dois Irmãos! Foram tantas
indicações; e quando finalmente resolvo ler, descubro que há uma ligação com a
obra de estreia do Hatoum, Relato de um Certo Oriente, que já tem resenha por aqui. Já se sabe que não curti muito
esse primeiro contato, mas esperava ser compensado com Dois Irmãos. Só que... não deu muito certo rsrsrs.
Comecei
a leitura de Dois Irmãos muito
animado com a história, que me conquistou imediatamente. É inevitável não
compará-lo com o romance anterior do Hatoum, pois não são poucas as
semelhanças. A primeira impressão que tive foi a de que Relato de um Certo Oriente não passou de um rascunho de Dois Irmãos, diante da qualidade
perceptivelmente superior neste último. Deve-se levar em conta o tempo entre a
publicação dos dois livros: mais de 10 anos! Reconheci um Hatoum muito mais
senhor de sua narrativa. Confesso que as semelhanças com o livro anterior me
incomodaram, mas essa ideia que fiz de “versão melhorada” consolou-me bastante.
Analisando
superficialmente as semelhanças entre os dois romances, neles temos duas
famílias de origem libanesa que residem em Manaus, sendo os cônjuges de
religiões diferentes: os maridos são muçulmanos e as esposas são católicas. Os
filhos desses casais são os grandes desencadeadores dos principais conflitos
nas duas obras. As duas famílias se mantêm pelos rendimentos de uma loja.
Poderíamos, inclusive, estabelecer um paralelo entre os livros, apontando
equivalências entre os personagens. Emilie seria Zana; O marido de Emilie seria
Halim; Hakim seria Yaqub; Samara Délia seria Rânia; os filhos endiabrados de
Emilie seriam Omar; a narradora anônima seria Nael... E por aí vai rsrsrs. Não
estou dizendo que o autor reproduziu fielmente as figuras do Relato, mas apenas assinalando uma
inegável semelhança entre elas.
Como
disse, comecei Dois Irmãos com
bastante empolgação. O texto parecia mais fluido e agradável na voz desse novo
narrador, que permanece anônimo quase que até o final do livro, quando
finalmente descobrimos que se chama Nael (e desculpem se estraguei a surpresa
de alguém! Mas, gente... é só um nome, né?). Ele nos conta a história de “sua”
família, constituída pelo casal Zana e Halim, que possuem três filhos: Yaqub e
Omar, os gêmeos; e Rânia. Completam a família: Domingas, a empregada índia; e o
narrador do romance, que é filho dela.
O
grande problema dessa família são os irmãos Esaú e Jacó Yaqub e Omar,
que não conseguem se entender. De temperamentos e comportamentos distintos, os
gêmeos não suportam um ao outro, e a convivência entre os dois se torna cada
vez mais intolerável. Yaqub é moderado e estudioso; Omar é folgado e promíscuo.
Na adolescência, eles se apaixonam por Flora Lívia, uma mocinha que
parece dar atenção aos dois. Quando, porém, Omar surpreende a bela Lívia aos
beijos com Yaqub, ele fica louco de raiva, e golpeia o rosto do irmão com um
pedaço de vidro, rendendo uma eterna cicatriz a Yaqub.
Desesperado
com o comportamento dos filhos, Halim pretende mandá-los para o Líbano, a fim
de dar-lhes uma educação mais rigorosa, mas Zana não assente, pois superprotege
Omar, o caçula, alertando para os problemas de saúde que o mesmo sempre teve
desde que nasceu. Talvez, Halim quisesse mesmo livrar-se dos filhos, pois nunca
os quis. Os três filhos foram planejados por Zana assim que casara: queria
três. Halim só queria mesmo brincar de papai e mamãe com Zana, só que sem os
filhos nessa brincadeira, se é que me entendem! O certo é que decidiram mandar
apenas Yaqub para passar uma temporada no Líbano. Após cinco anos, ele regressa
um tanto esquecido dos modos civilizados da cidade. Omar e ele continuam de
cara feia um para o outro, principalmente agora que Yaqub deixa florescer seus
dotes intelectuais de calculista, tornando-se o orgulho da casa. Decidido a
viver longe da presença irritante de Omar, Yaqub vai para São Paulo estudar
engenharia. Ele nega-se a receber auxílio dos pais, forma-se e casa-se com
Lívia. Nem preciso dizer que ele é meu gêmeo favorito rsrsrs.
Omar,
por outro lado, além de ser expulso da escola por agredir um professor, não
consegue terminar os estudos, mesmo indo para outra escola de reputação
duvidosa. Os pobres pais acham que São Paulo é a solução para o gêmeo
incorrigível. E aí, o que vocês acham que Omar vai fazer em São Paulo? Sim...
Incomodar Yaqub. A partir daí, o livro acaba perdendo aquela animosidade dos
primeiros capítulos, vai adquirindo uma atmosfera mais pesada e conflituosa,
além de inserir outros dramas dos demais personagens. Não é o texto que fica
ruim; a trama é que fica desagradável e muitas vezes irritante. Hatoum parece
ter preferência pelo Omar, que me pareceu tão insuportável, que até me irritava
ler as passagens sobre ele. Não pensem também que Yaqub é um anjo de bondade,
mas à vista do irmão...
O
narrador vive ainda o dilema de desconfiar que é filho de um dos gêmeos. As
relações familiares nas obras de Milton Hatoum me pareceram muito abomináveis.
Os filhos se referem aos pais pelo nome, o tratamento entre os membros é um
tanto repugnante, sobretudo nas insinuações/realizações incestuosas. Não quero
ser chato, mas tenho cá meus pudores. A narrativa em Dois Irmãos é bastante escrota, mais que em Relato. Não foi, enfim, uma leitura agradável; e com isso, não nego
o valor e o mérito conferidos ao autor. Já confessei por aqui que sou um tanto
averso aos modernos e contemporâneos justamente por isso: essa crueza de
situações torpes, vis e infames! Xô, pessimismo! rsrsrs. Que fique claro então
que o meu desagrado diz respeito a uma questão puramente de gosto pessoal.
Não
sou favorável a qualquer tipo de limitação artística, mas penso que, diante de
tanta miséria deste mundo real, precisamos de livros que nos confortem com
alguma mensagem de esperança.
Avaliação: ★★★
Daniel Coutinho
***
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Li esses dois livros para conhecer Milton Hatoum e alguma literatura da região do Amazonas. Detestei o Omar. Será mesmo que o autor o prefere? Não tive essa impressão. Não me animei a ler outro livro dele.
ResponderExcluirMilton Hatoum realmente não me desceu, mas ainda tenho um livro dele por aqui: A Cidade Ilhada, uma coletânea de contos, com a qual darei mais uma chance ao autor ;)
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