sábado, 14 de novembro de 2020

Contos e Fantasias, de José Vicente Sobrinho - RESENHA #148

José Vicente Sobrinho (1875-1924) foi um dos fundadores da Academia Paulista de Letras. Tendo vivido menos de cinquenta anos, além de seus trabalhos como jornalista, cronista e biógrafo, deixou-nos a coletânea Contos e Fantasias (1898), seu livro mais conhecido.

Influenciado pela escola simbolista, José Vicente Sobrinho brinda-nos com uma prosa poética admirável. Nesta resenha, tratarei apenas da primeira parte da coletânea já citada, ou seja, a que compreende os “contos”. A segunda parte do livro, “Cartas à minha irmã”, a despeito de sua roupagem literária, funciona mais como um conjunto de reminiscências e elucubrações pessoais.

Os nove contos da primeira parte são verdadeiras joias poéticas, dessas que fazem saltar das páginas verdadeiros quadros enternecedores, ainda que pungentes. Quando lidos em voz alta, estes contos exprimem musicalidade e ritmo impressionantes, qualidades que se destacam em relação aos enredos, que aqui são simples e de fácil construção.

“Palhaços”, que abre o conjunto, já nos apresenta um tema recorrente na obra do contista: histórias circenses. Nele, o palhaço Delfino, abandonado pela esposa, que fugira com outro artista da companhia, assiste a morte lenta de seu pequeno Julito. Narrador e leitor são espectadores diretos da cena, graças aos artifícios empregados pelo autor.

Não pude ler as duas primeiras páginas de “Soldados”, pois havia algumas perdas no texto da digitalização a que tive acesso. Contudo, a maestria do prosador simbolista mais uma vez comoveu-me com a história de Miguel que, após ficar inválido na guerra, é desprezado pela mulher amada, que se casa com outro.

“Pescadores” tem ares de lenda trágica, dessas que se leem com empolgação e lamento. A demora de Nicolau desperta cruéis suspeitas na esposa e nos filhos do pescador, mas essa aflitiva expectação é assistida pelo velho Ruy de Deus, que acompanha todo aquele drama com um olhar providencial. O desfecho místico e poético faz deste um dos pontos altos da coletânea.

Em “A morte de Alfredinho”, acompanhamos outro quadro lutuoso, desta vez como se o autor pretendesse nos convidar para um enterro, sem deixar de nos alertar para o contraste que se percebe durante o percurso, já que a cidade celebra contente a festa do Divino Espírito Santo. Já em “Nostalgia”, ele nos sensibiliza ao ser empático com um pequeno imigrante italiano que contempla extasiado o cartaz de uma companhia de vapores para a Itália.

“Conto de S. João” é palco para mais um artifício interessante do contista. Aqui ele brinca com o poder que detém o ficcionista para controlar o destino de seus personagens, mostrando duas possibilidades para a mesma história, mas sem abrir mão de suas constantes imagens poéticas.

“Recordações” possui um título autoexplicativo, além de ser quase uma música para quem o ouve. “Velhos marujos” também se destaca na coletânea por sua forte carga dramática. A descoberta de uma traição somada a uma noite de tempestade dão ao conto uma atmosfera incômoda e angustiante, mas a prosa poética do autor mais uma vez amaina os conflitos em cena.

Os temas fúnebres aparecem finalmente no último conto: “Pobres pequenos”. Rosália, em seu leito de morte, repassa os erros e acertos de sua vida de artista circense, assistida pelo marido e pelos filhos, que sonham em vê-la representar a grande pantomima da “Gata Borralheira”.

Se o livro de José Vicente Sobrinho estivesse limitado a estas nove histórias, eu certamente lhe concederia uma avaliação mais meritória; contudo, as “Cartas à minha irmã”, que compreendem metade do volume, não me empolgaram da mesma forma. Ainda assim, a descoberta deste contista, para mim, foi um dos momentos mais marcantes das leituras deste ano.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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