O cearense Adolfo Caminha foi um dos maiores
nomes do Naturalismo no Brasil, imortalizado por grandes obras como A Normalista e Bom-Crioulo. Ambos me causaram excelente impressão, tornando
Caminha um dos meus prosadores favoritos do final do século XIX, não obstante
sua morte prematura aos vinte e nove anos ter impedido a continuação de sua
parca obra. Dela consegui reunir praticamente tudo, faltando-me apenas Voos Incertos, coletânea de poemas que
marca sua estreia literária. [Agradeço desde já a quem puder me fornecer uma
cópia impressa ou digital.]
Tentação (1896)
era uma de minhas leituras mais ansiadas, pois meu último contato com a prosa
de Caminha data de muitos anos, quando li um compilado dos seus contos, que saiu
em 2002 pelas Edições UFC. Por outro lado também estive guardando este último
romance, receoso de ficar órfão de tão querido autor; mas, felizmente, obtive
há certo tempo Judite e Lágrimas de um Crente, seus primeiros
trabalhos em prosa, integrando meu estoque de sua ficção.
A leitura de Tentação
foi plenamente satisfatória, como um reencontro agradável com um velho amigo.
Nele não temos os escândalos dos romances mais populares de Caminha, que
preferiu neste seu último trabalho apelar para o pudor feminino. O livro é de
uma leveza aconchegante, que fascina por sua atmosfera de simplicidade. A cena
mais lúbrica é a de um beijo na mão de uma senhora casada, e a mais dramática
corresponde a uma crise nervosa desta mesma senhora.
Evaristo é um bacharel em Direito que deseja
ardentemente abandonar a vida provinciana em Coqueiros para tentar carreira no
Rio de Janeiro. Por intermédio de seu amigo Luís Furtado, ele obtém emprego de
escriturário no Banco Industrial, o que o decide a mudar-se com sua esposa
Adelaide para a Cidade Maravilhosa.
Luís Furtado oferece sua casa em Botafogo para acolher
o amigo e sua esposa. Eles ocupam o primeiro andar da residência, sendo o
segundo ocupado por estrangeiros que estão prestes a deixar o local. Com a
partida destes, Evaristo e Adelaide decidem alugar o segundo andar. Os dois casais
gozam a mais perfeita harmonia, e dona Branca, esposa de Luís, torna-se
companheira inseparável de Adelaide.
As relações do casal Furtado, porém, acabam por impressionar
Adelaide, que se sente deslocada naquele meio de aristocratas. Consciente de
sua posição social, ela lamenta não poder desfrutar das joias e fazendas das
mulheres que frequentam a casa de dona Branca. O Rio de Janeiro vai se
descobrindo, pouco a pouco, como um lugar onde predominam as aparências e
vícios sociais.
Evaristo, de sua parte, logo entre em conflito
com os amigos de Luís Furtado, predominantemente monarquistas. O jovem
bacharel, inclinado às ideias republicanas, repudia os excessos e costumes da
nobreza, reprovando a existência de titulares (viscondes, barões...), como
também a hipocrisia de muitos burgueses em ascensão.
As amabilidades de Luís Furtado para com
Adelaide, cada vez mais acentuadas, dão lugar à “tentação” aludida pelo título
do romance. O conservadorismo da esposa do bacharel atiçam o desejo de Furtado,
que sente-se mais atraído à cada nova esquivança de Adelaide. Esta, mesmo
mostrando-se firme em sua fidelidade, não é livre de pensamentos imorais. O
exemplo de dona Branca, que trai o marido com o visconde de Santa Quitéria,
atiça-lhe a imaginação, trazendo-lhe sempre à lembrança a sedutora imagem de
Luís Furtado.
Eis um livro em tudo despretensioso, mas que
agrada justamente por manter-se num ritmo regular e cativante. Não há aqui uma
sucessão de fatos empolgantes ou um crescente de emoções que ameacem explodir.
O que há é um passeio pela sociedade fluminense dos últimos anos do Império,
com direito a piqueniques no Jardim Botânico e andanças pela Rua do Ouvidor.
O último romance de Adolfo Caminha é quase uma
remissão de suas histórias atribuladas. É quando temos um Naturalismo tão
sutil, que chega a ser romântico.
Avaliação: ★★★★
Daniel Coutinho
***
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Escreva para o blog: autordanielcoutinho@gmail.com
Adoro Adolfo Caminha, o modo intenso como ele te apresenta os personagens e a capacidade de te transportar para o tempo. Bom Crioulo e A normalista estão entre os meus preferidos. Não sabia desse, já estou indo em busca.
ResponderExcluirSim, Adolfo Caminha é formidável. "Tentação" é de um naturalismo mais lúcido e comedido. Sensacional!
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