segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

A Providência, de Teixeira e Sousa - RESENHA #121

Teixeira e Sousa já havia me dado boas mostras de sua prolixidade nas memoráveis Tardes de um Pintor. Em A Providência ele se supera, compondo o maior romance de sua lavra literária. A obra saiu em folhetins do Correio Mercantil entre 26 de janeiro e 17 de junho de 1854, sendo publicada em livro pouco tempo depois.

A trama é das mais intricadas, entrelaçando diversas histórias e inúmeros personagens. Como o autor antecipa no prólogo, torna-se difícil determinar um protagonista. Seria mais acertado dizer que a própria Providência revela-se como personagem central, uma vez que, tratando-se de um livro cristão, a ela são atribuídos vários acontecimentos.

Observando contudo o ponto comum a todas as histórias, deparamo-nos com o personagem Batista, mesmo que, tal como os outros, ele não represente um protagonista. Apaixonado por uma mulher casada, Batista acaba tendo um filho desta relação extraconjugal, sendo a criança confiada a um amigo seu.

Vicente, filho de Batista, é criado por pais adotivos condescendentes ao extremo. Em virtude dessa má educação e da péssima influência de Justino, de quem se tornara amigo inseparável, o garoto acaba tendo uma vida estroina e desregrada, dissipando a fortuna dos pais. Após a morte destes, decide acompanhar o amigo de farras, perdendo-se completamente das vistas de seu verdadeiro pai.

Batista, além deste filho perdido, carrega uma grande culpa em sua consciência, um segredo que nunca pôde revelar a ninguém. Para expiar seus pecados, aceita casar-se com Branca, mesmo esta já sendo mãe. Benedito, o filho bastardo, é confiado ao pai de Branca, o padre Chagas, que enviuvara precocemente antes de consagrar-se à vida religiosa. Benedito é enviado ainda criança para Portugal, onde completa seus estudos e adquire formação em Direito. Batista e Branca têm uma filha juntos: Rosa Branca, que cedo ficaria órfã de sua mãe.

Rosa Branca é a típica heroína romântica: belíssima, ingênua, pudica, religiosa e repleta de tantas outras virtudes. Arcanjo, filho de Renato, vizinho e amigo de Batista, é seu inseparável companheiro de infância, mesmo sendo consideravelmente mais velho. Embora Renato anseie a vida eclesiástica para Arcanjo, o jovem nutre por Rosa Branca uma sincera paixão, mas terá um rival em D. Geraldo de Pina, um sobrinho do padre Chagas, que chegado há pouco da Europa, apaixona-se pela filha de Batista.

Julgando-se ainda em idade de contrair matrimônio, Batista pede Narcisa em casamento. Trata-se de uma bela jovem, pouco mais velha que Rosa Branca, que aceita a proposta de seu pretendente, tendo em vista as riquezas deste, não obstante sua paixão por Pedro, um forasteiro que recebera acolhida em sua casa e que lhe ensinara a ler.

Quando todos esses assuntos estão sendo tratados, Benedito retorna de Portugal, surpreendendo a todos, principalmente a Rosa Branca, que acaba apaixonada por ele e vice-versa, já que ambos desconhecem que são filhos da mesma mãe. O padre Chagas e Batista logo veem-se na contingência de descobrir-se o passado de Branca, mas tentarão contornar a situação atribuindo a paternidade de Benedito a Batista.

Narcisa e Pedro concebem planos perversos para com a família de Batista, pois desejam desfrutar juntos no futuro das riquezas do pai de Rosa Branca. Entretanto, este possui um inimigo muito mais perigoso que, sem que o percebam, mantém-se a par de tudo o que diz respeito a Batista, empenhado em lançar sobre ele uma terrível vingança acalentada há mais de trinta anos.

Sei que esta resenha pode soar meio confusa, mas o ritmo do livro de Teixeira e Sousa é bem este mesmo, saltando sempre de uma história a outra entre seus três núcleos principais, contando ainda com várias digressões, além de idas e vindas no tempo. Nesta intricada teia narrativa, a já mencionada prolixidade do autor pode compreender o mais difícil obstáculo do livro, fazendo-o parecer arrastado por diversas vezes, não obstante as inúmeras ocorrências e lances imprevistos.

Quanto às digressões, algumas podem ser bem maçantes, sobretudo duas: a passagem em que Filipe, o pai de Narcisa, refere a entrada da religião cristã no Japão; e aquela em que o padre Chagas tão minuciosamente descreve sua visita à Terra Santa. Contudo, o autor realiza alguns artifícios interessantes, como aqueles em que firma um diálogo direto com o leitor, recurso que seria melhor executado mais tarde num Machado de Assis.

A Providência pode sim ser uma leitura um tanto cansativa, seja por seus exageros, como por sua extensão, mas nem por isso deixa de ser uma experiência interessantíssima, pois, além de trazer os vários clichês dos populares folhetins, põe-nos em contado com uma trama curiosamente inusitada.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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3 comentários:

  1. Mais um para a lista. Depois de assistir à resenha de O Filho do Pescador, no seu canal, fiquei muito interessado no escritor, do qual nunca li nada.

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    1. O texto dele não envelheceu bem, infelizmente, mas tem vários aspectos interessantes. Até agora este é meu favorito do autor.

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    2. Ah, sim, "A Providência" está disponível em PDF no site Brasiliana da USP, na edição original em cinco volumes. Foi graças a essas digitalizações que pude ler o romance.

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