sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Os Homens de Sangue, de Vicente Felix de Castro - RESENHA #118

Vicente Felix de Castro foi um dos pioneiros do romance de costumes em São Paulo. Escritor provinciano, empenhou-se em divulgar seus trabalhos literários, seja através do jornal, seja pela difícil publicação em livro. Os Homens de Sangue (1873), romance de caráter abolicionista, foi sua última obra publicada em vida.

Mesmo sendo adepto dos modelos românticos, Vicente Felix de Castro realiza forte crítica social, denunciando os abusos sofridos pelos escravos, o despotismo dos titulares do império e a impunidade nas províncias. Seu estilo é de extrema simplicidade, o que calharia bem perante seu público-alvo: as classes populares.

Consciente de suas limitações estilísticas, o autor classifica seu romance de tosco, sempre recorrendo à boa indulgência do leitor. Mas não confunda-se aqui simplicidade com desleixo. O texto do romancista é bem trabalhado em diversos aspectos, sobressaindo-se o tom de oralidade, que chega a lembrar a prosa sertaneja de Bernardo Guimarães.

Os Homens de Sangue possui aquele agradável tom de conversa, prezando por uma fluência que se ampara não poucas vezes na construção de diálogos leves e esclarecedores. Quase não há espaço para descrições ou digressões prolongadas, privilegiando-se o ritmo da narrativa, que é sempre ágil e sem grandes rodeios.

Na trama, temos Ricardo de Lima, jovem enjeitado que, logo no começo do romance, nos é apresentado como sócio de um traficante de escravos. Após uma negociação na fazenda do Campo Alegre, Ricardo é contratado como secretário particular do comendador Carlos de Almeida, homem ambicioso que rivaliza em importância com o barão do Taquaral.

Este barão, por sua vez, igualmente ambicioso, esconde um crime em seu passado, o que nos leva a outro núcleo da trama composto pela família de Leonardo, um velho pescador que no passado ajudara ao barão, sendo mais tarde desprezado por este. Leonardo, suspeitando a criminalidade do barão, decide buscar provas para denunciar o titular às autoridades.

No Campo Alegre, Ricardo toma conhecimento do cruel tratamento dado aos escravos do comendador, principalmente pelos relatos de Pai João Congo, negro cuja esposa e filho haviam sucumbido à violência de Almeida. Mas neste mesmo ambiente hostil temos a presença de Carlina, a filha comendador, de quem Ricardo se enamora.

Se por um lado o senhor do Campo Alegre é desumano com seus escravos, o barão do Taquaral não o faz por menos em sua propriedade. Alfredo, secretário do barão e amigo de Ricardo, alia-se a este num louvável desideratum: defender as vítimas da escravidão de seus inexoráveis senhores. Mas, ao tempo que este plano se formula, o passado de Ricardo vem à tona na pessoa do conselheiro André de Melo, que parece saber tudo sobre a origem do jovem enjeitado.

É nesse emaranhado de situações e personagens secundários que a história segue, num maniqueísmo um tanto pueril, permeada sempre por excessos típicos da escola romântica. O que mais incomoda, contudo, é a gama do autor por tornar tudo colorido nos capítulos finais, usando de reviravoltas inverossímeis e pouco inteligentes.

O romance de Vicente Felix de Castro é um ótimo passatempo para quem, como eu, aprecia a literatura oitocentista. Além do inquestionável mérito de ser uma obra abolicionista que entretinha relações com leitores comuns do povo, o livro transparece a dedicação e o empenho de um grande entusiasta do fazer literário.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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