sexta-feira, 5 de junho de 2020

O Banco de Três Lugares, de Maria de Lourdes Teixeira - RESENHA #133

Figura notável de seu tempo, Maria de Lourdes Teixeira foi uma premiada escritora paulista que se dedicou ao jornalismo e à literatura. Embora esquecida atualmente, sua obra teve considerável êxito no século passado; dois de seus romances ganharam o Jabuti, sendo um deles, O Pátio das Donzelas (1969), adaptado para a TV em 1982.

O Banco de Três Lugares é o romance de estreia da ficcionista, que o publicou em 1951 através da lendária Coleção Saraiva, que já havia divulgado um ano antes A Ladeira da Memória, de José Geraldo Viera, com quem Maria de Lourdes contraiu segundas núpcias.

Escrito numa linguagem sobejamente poética, O Banco de Três Lugares vale mais pela beleza de sua escrita que por seu enredo praticamente inexistente. Essa percepção me trouxe o seguinte questionamento: O que vale mais num romance, o enredo ou a escrita?

Já li romances pessimamente escritos, mas que prenderam minha atenção pelo atrativo do enredo. O contrário também já ocorreu, como no caso desta última leitura. A qualidade da escrita de Maria de Lourdes é inquestionável. A autora ainda tem o mérito de alcançar o requinte e o refinamento sem cair na obscuridade e no preciosismo de certos prosadores. Mas o que dizer do enredo deste livro? Fraquíssimo.

Cheguei pois à conclusão pessoal de que enredo e escrita não estão num mesmo nível de importância. Tal como o som é fundamental à poesia, o enredo é a alma do romance, sobrepondo-se portanto à escrita que, embora importante, fica entretanto abaixo daquele. Em suma, isoladamente, enredo e escrita pouco valem, mas o primeiro sempre valerá algo mais.

Não bastasse a falta de enredo n’O Banco de Três Lugares, a narrativa em primeira pessoa revela-se incoerente por atribuir uma linguagem altamente reflexiva e sofisticada para uma menina de dez anos. No capítulo IX, por exemplo, Milena reflete: “Se os pais as mais das vezes pela vida em fora pouco sabem da alma e do coração dos filhos apesar da convivência, por sua vez e com maior facilidade escondem destes uma realidade interior que, mesmo quando certas circunstâncias tornam aparentes, nunca assumem seu verdadeiro caráter. As consequências então, o que disso pode decorrer para a existência doméstica e individual, não há intuição infantil que consiga apreender.” (Pág. 119). É o discurso de uma menina de dez anos? Não. É o discurso de uma escritora de quarenta.

Milena pertence a uma família rica que reside num casarão com vários empregados ao seu dispor. Seu pai é um grande industrial e sua mãe uma talentosa pianista. A harmonia familiar se altera, no entanto, quando o feliz casal começa a ter um comportamento estranho e uma série de discussões. Pouco depois, Milena é mandada para a fazenda de uma amiga de seus pais e, posteriormente, para um internato de freiras.

A garota não consegue entender o porquê daquela atitude intempestiva dos pais, como também o motivo destes partirem para a Europa sem se despedirem. No isolamento do colégio interno, recebendo espaçadas visitas do motorista da família, Milena sente-se solitária, principalmente no período de férias. Nessas circunstâncias, ela rememora os últimos acontecimentos, na tentativa de solucionar o perturbador mistério que a distanciou de todos.

Acompanhar o sofrimento de Milena em seu isolamento é tão entediante quanto estar sozinho num internato de freiras. Mesmo suas lembranças são repetitivas e quase sempre desinteressantes. Há beleza sem dúvida no fraseado de Maria de Lourdes, mas o efeito da leitura valeria por uma longa sessão de ASMR. O problema é que a gente não pode dormir rs.

Eu realmente não recomendaria a leitura deste livro, a não ser àqueles que estejam com dificuldades de conciliar o sono. Mas não desisti da autora e pretendo ler ainda O Pátio das Donzelas. Será uma boa ideia?

Avaliação: ★★

Daniel Coutinho

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2 comentários:

  1. Esse foi o único que abandonei dos livros que li da coleção Saraiva. Imaginei que fosse excelente como alguns da coleção, de autores nacionais já esquecidos.

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    1. Ele é bem chatinho mesmo hehe, embora tenha uma escrita bonita e poética.

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