Em mais uma de minhas experiências com a obra de
Lima Barreto fui infeliz. Desta vez, li a tão bem acabada Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá (1919), na qual pretendia
encontrar algo de novo, mas não deu muito certo rs. Seguramente posso afirmar
que nunca o autor me pareceu tão enfadonho e repetitivo quanto neste romance,
se é que podemos classificá-lo como tal.
Gonzaga
de Sá é mais desabafo que romance. Já devo ter dito algo
semelhante sobre Policarpo Quaresma, Isaías Caminha e Clara dos Anjos, mas o objeto desta resenha supera todos estes com
louvor. Deve ser por isso que não gosto de Lima Barreto! Tudo quanto tenho lido
dele trata mais de sua própria pessoa do que de todo o resto. Não consigo
entender o interesse que tem despertado até hoje e o entusiasmo com que muitos
falam de seus livros. Será porque está na moda prestar atenção nas classes mais
oprimidas da sociedade? Vamos então agora supervalorizar todos os livros sobre
negros, deficientes, gays, pobres...? Não estou dizendo que não se deve dar
atenção aos grupos menos favorecidos. É importante, sim, lutar contra as
desigualdades. Só não entendamos esta luta como qualificativo literário. Não
vou dar ouvidos a quem quer que diga que Lima Barreto é excelente “literato”
por denunciar o preconceito.
Passando ao livro, logo no título, temos um
cacófato provocado pelas iniciais “M. J.”, sugerindo “mijota” ou “mijote”,
adjetivo pejorativo. Mais uma vez, portanto, nosso protagonista (tal como
Clara, Isaías e Policarpo) não terá importante figura social. O autor esclarece
em “Advertência” que está sendo apenas intermediário da publicação, cuja
autoria é de um amigo seu, Augusto Machado, o biógrafo. A estratégia é inútil
quando o leitor sem grande esforço reconhece o figurão por trás da máscara.
Pois bem. Qual que é a ação do “romance”, vocês
devem querer saber; e eu prontamente lhes direi que não há ação. O que temos
basicamente são dois títeres: Augusto Machado e Gonzaga de Sá. Lima Barreto é o
ventríloquo que lhes dá voz. O livro é quase todo um monólogo diálogo
entre esses dois funcionários públicos. Quem são eles?
Augusto Machado é um jovem mulato que deseja
ascender no serviço público, aspirando chegar a diretor de repartição. Quando o bispo de Tocantins é recebido no
porto de Belém com apenas dezessete tiros de salva, fica melindrado, julgando-se
merecedor de dezoito. O caso é levado aos foros, chegando até Machado, que é
logo incumbido de consultar a “Secretaria dos Cultos”, onde trabalha o velho
amanuense Gonzaga de Sá.
Nosso “biografado”, bacharel em letras, é um
filósofo pessimista e descrente na humanidade. Com mais de sessenta anos, não é
mais que simples escrivão, posição assumida por vontade própria, tendo em vista
sua ascendência ilustre (Gonzaga descendia de Estácio de Sá). “Filho de um
general titular do Império, podia ser ‘muita coisa’; não quis. Era preciso ser
doutor, formar-se, exames, pistolões, hipocrisias, solenidades... Um
aborrecimento, enfim...” (p. 26). A Gonzaga aborreciam a “mania de
aristocracia” dos brasileiros, os falsos intelectuais, os políticos corruptos,
os empregados de ideias medíocres, além do mau gosto na arte dos emblemas
públicos. É, no mais, um homem sem preconceitos: “Eu sou Sá, sou o Rio de
Janeiro, com seus tamoios, seus negros, seus mulatos, seus cafuzos e seus
'galegos' também...” (p. 34).
Antes de passar à vida de seu mentor, Augusto
Machado adianta as circunstâncias de sua morte. “Para se compreender bem um
homem não se procure saber como oficialmente viveu. É saber como ele morreu;
como ele teve o doce prazer de abraçar a Morte e como Ela o abraçou.” (p. 20).
Fora no jardim da casa de Gonzaga. Abaixando-se o velho para colher uma flor
que pretendia oferecer a seu fiel companheiro, caíra e morrera. Simples assim,
como tudo em sua vida. Vale lembrar que, pouco antes, no Passeio Público, ele
havia declarado amar a morte, o que revela sua antipatia pelo contexto no qual
estava inserido. Dentre os objetos de seu espólio, o manuscrito de um conto
sobre um homem que dedicara toda a vida na construção de uma aeronave, sem
nunca consegui-la fazer voar.
A narrativa segue fragmentada, em episódios que
sempre convergem para a mesma difusão de ideias entre os dois bonecos
personagens. Um dos que merecem destaque é o velório do compadre de Gonzaga,
Romualdo, homem branco que era casado com uma mulher negra. É mesmo
interessante a observação de Machado sobre Aleixo, o pequeno órfão mestiço. Por
mais que seu padrinho Gonzaga se esforçasse para torná-lo alguém, o preconceito
jamais permitiria. “Coitado! Nem o estudo lhe valeria, nem os livros, nem o
valor, porque, quando o olhassem diriam lá para os infalíveis: aquilo lá pode
saber nada!” (p. 74).
Finalmente, não encontrei nada de novo neste
livro, além da já citada ausência de ação. Se o tivesse lido antes dos outros,
a impressão atual seria destes, de maneira que toda a obra “romanesca” de Lima
Barreto parece ser uma coisa só: birras pessoais desafogadas em letra redonda.
Avaliação: ★
Daniel Coutinho
***
Instagram: @autordanielcoutinho
SKOOB: http://www.skoob.com.br/usuario/1348798 Escreva para o blog: autordanielcoutinho@gmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário