segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá, de Lima Barreto - RESENHA #51

Em mais uma de minhas experiências com a obra de Lima Barreto fui infeliz. Desta vez, li a tão bem acabada Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá (1919), na qual pretendia encontrar algo de novo, mas não deu muito certo rs. Seguramente posso afirmar que nunca o autor me pareceu tão enfadonho e repetitivo quanto neste romance, se é que podemos classificá-lo como tal.

Gonzaga de Sá é mais desabafo que romance. Já devo ter dito algo semelhante sobre Policarpo Quaresma, Isaías Caminha e Clara dos Anjos, mas o objeto desta resenha supera todos estes com louvor. Deve ser por isso que não gosto de Lima Barreto! Tudo quanto tenho lido dele trata mais de sua própria pessoa do que de todo o resto. Não consigo entender o interesse que tem despertado até hoje e o entusiasmo com que muitos falam de seus livros. Será porque está na moda prestar atenção nas classes mais oprimidas da sociedade? Vamos então agora supervalorizar todos os livros sobre negros, deficientes, gays, pobres...? Não estou dizendo que não se deve dar atenção aos grupos menos favorecidos. É importante, sim, lutar contra as desigualdades. Só não entendamos esta luta como qualificativo literário. Não vou dar ouvidos a quem quer que diga que Lima Barreto é excelente “literato” por denunciar o preconceito.

Passando ao livro, logo no título, temos um cacófato provocado pelas iniciais “M. J.”, sugerindo “mijota” ou “mijote”, adjetivo pejorativo. Mais uma vez, portanto, nosso protagonista (tal como Clara, Isaías e Policarpo) não terá importante figura social. O autor esclarece em “Advertência” que está sendo apenas intermediário da publicação, cuja autoria é de um amigo seu, Augusto Machado, o biógrafo. A estratégia é inútil quando o leitor sem grande esforço reconhece o figurão por trás da máscara.

Pois bem. Qual que é a ação do “romance”, vocês devem querer saber; e eu prontamente lhes direi que não há ação. O que temos basicamente são dois títeres: Augusto Machado e Gonzaga de Sá. Lima Barreto é o ventríloquo que lhes dá voz. O livro é quase todo um monólogo diálogo entre esses dois funcionários públicos. Quem são eles?

Augusto Machado é um jovem mulato que deseja ascender no serviço público, aspirando chegar a diretor de repartição.  Quando o bispo de Tocantins é recebido no porto de Belém com apenas dezessete tiros de salva, fica melindrado, julgando-se merecedor de dezoito. O caso é levado aos foros, chegando até Machado, que é logo incumbido de consultar a “Secretaria dos Cultos”, onde trabalha o velho amanuense Gonzaga de Sá.

Nosso “biografado”, bacharel em letras, é um filósofo pessimista e descrente na humanidade. Com mais de sessenta anos, não é mais que simples escrivão, posição assumida por vontade própria, tendo em vista sua ascendência ilustre (Gonzaga descendia de Estácio de Sá). “Filho de um general titular do Império, podia ser ‘muita coisa’; não quis. Era preciso ser doutor, formar-se, exames, pistolões, hipocrisias, solenidades... Um aborrecimento, enfim...” (p. 26). A Gonzaga aborreciam a “mania de aristocracia” dos brasileiros, os falsos intelectuais, os políticos corruptos, os empregados de ideias medíocres, além do mau gosto na arte dos emblemas públicos. É, no mais, um homem sem preconceitos: “Eu sou Sá, sou o Rio de Janeiro, com seus tamoios, seus negros, seus mulatos, seus cafuzos e seus 'galegos' também...” (p. 34).

Antes de passar à vida de seu mentor, Augusto Machado adianta as circunstâncias de sua morte. “Para se compreender bem um homem não se procure saber como oficialmente viveu. É saber como ele morreu; como ele teve o doce prazer de abraçar a Morte e como Ela o abraçou.” (p. 20). Fora no jardim da casa de Gonzaga. Abaixando-se o velho para colher uma flor que pretendia oferecer a seu fiel companheiro, caíra e morrera. Simples assim, como tudo em sua vida. Vale lembrar que, pouco antes, no Passeio Público, ele havia declarado amar a morte, o que revela sua antipatia pelo contexto no qual estava inserido. Dentre os objetos de seu espólio, o manuscrito de um conto sobre um homem que dedicara toda a vida na construção de uma aeronave, sem nunca consegui-la fazer voar.

A narrativa segue fragmentada, em episódios que sempre convergem para a mesma difusão de ideias entre os dois bonecos personagens. Um dos que merecem destaque é o velório do compadre de Gonzaga, Romualdo, homem branco que era casado com uma mulher negra. É mesmo interessante a observação de Machado sobre Aleixo, o pequeno órfão mestiço. Por mais que seu padrinho Gonzaga se esforçasse para torná-lo alguém, o preconceito jamais permitiria. “Coitado! Nem o estudo lhe valeria, nem os livros, nem o valor, porque, quando o olhassem diriam lá para os infalíveis: aquilo lá pode saber nada!” (p. 74).

Finalmente, não encontrei nada de novo neste livro, além da já citada ausência de ação. Se o tivesse lido antes dos outros, a impressão atual seria destes, de maneira que toda a obra “romanesca” de Lima Barreto parece ser uma coisa só: birras pessoais desafogadas em letra redonda.

Avaliação:

Daniel Coutinho

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