segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto - RESENHA #27

Triste Fim de Policarpo Quaresma (1911) é daqueles livros que eu deveria ter lido pra escola e não li. Ainda bem que não li, pois tenho certeza que não teria gostado; não pelo livro ser ruim, mas porque não o compreenderia. Sempre curioso por Literatura, já naquela época, não tinha como não me deparar com o nome Lima Barreto. Assim, li a primeira obra dele que me caiu às mãos, que coincidentemente vem a ser seu livro de estreia: Recordações do Escrivão Isaías Caminha. Lembro de tê-lo achado chato rsrsrs!!! Não entendia direito, a temática não me agradava; enfim, foi uma experiência tão horrível, que desde então, passei a fugir de Lima Barreto. Isso nos faz lembrar da grande porção de pessoas que tem aversão pela literatura brasileira, graças ao “incentivo” da escola. Eis uma questão para ser repensada: como trabalhar os clássicos no ensino básico. Mas passemos logo ao que interessa, que é meu reencontro com Lima Barreto e de como fiz as pazes (ou não) com ele.

Peguei o Policarpo já com um pé atrás pelo motivo que já citei, mas quando iniciei o primeiro capítulo, fui imediatamente tomado pelo livro. A caracterização do protagonista, muito correto e metódico, lembrou-me até o Phileas Fogg do Verne. Foi uma feliz surpresa. Mal acreditei que estava rindo com um livro do Lima Barreto; porque eu ri mesmo rs! Estava então fascinado por aquela escrita, quando veio a primeira queda. Pensei: agora Lima Barreto será de novo aquele chato do Isaías Caminha. Contudo, o livro logo recuperou o tom animado do início, mas em seguida, despencava de novo. Triste Fim de Policarpo Quaresma é o que chamo de livro-gangorra: ora alto, ora baixo. E é nesse curso volúvel que o romance segue até o final.

Não digo que seja um mau livro. O que me incomodou mesmo foram duas coisas: a primeira vem a ser a matéria do livro, permeada de política, com direito àquela atmosfera militar que me dá náuseas. Não gosto das temáticas política e guerra; as duas juntas então... A forte presença desses fatores na obra do Lima Barreto quase me fez desgostar do livro, mas não foi assim (e já explico!). A segunda foi a forte intenção de crítica social se sobrepondo ao ideal artístico. Essa justificativa explica muito bem minha aversão à literatura moderna, e devemos lembrar que Lima Barreto foi um escritor pré-modernista. O século XX é marcado por uma nuvem de escritores preocupados em denunciar os problemas nacionais, sejam políticos, econômicos, religiosos, etc. Sou dos que pensam que a literatura deve ser pura e laica, livre de partidos e de tendências influenciadoras. Daí, minha preferência pelos autores oitocentistas que, geralmente, mesmo quando tratam de política, usam-na como mero pano de fundo, não deixando em segundo plano o ideal artístico que é a obra literária em si.

A obra de Lima Barreto é sem dúvida tendenciosa e pretensiosa, o que viria a ser uma marca dos escritores daquela geração, assunto que já discuti na resenha de Madame Pommery. Policarpo Quaresma é um grito de revolta e denúncia contra a mediocridade das autoridades políticas do Brasil. O livro nem parece ficção em alguns momentos. Temos o governo Floriano Peixoto pintado com cores bem reais, figurando um Brasil onde as pessoas buscam crescer de qualquer forma, passando-se por aquilo que não são e esbanjando talentos que não têm. O insurgente Lima Barreto, talvez sem o querer, acaba escrevendo um romance autobiográfico, pois, assim como o Major Quaresma, foi um funcionário público incompreendido em seus ideais, que acabou enlouquecendo. Mas o mais surpreendente é como a obra literária, submergida em questões ideológicas, consegue sobreviver. A arte subsiste até o fim, ainda que em segundo plano, conforme me pareceu. É como se o próprio autor, ao longo do processo, percebesse que estava fugindo do ideal artístico, sentisse pesar a consciência e, para desculpar-se, assumisse uma postura mais literária. Tanto que mesmo os capítulos mais técnicos encerram com sinais de pura poesia.

A história, penso, todo mundo já conhece. Policarpo é um funcionário público que sofre de um patriotismo exacerbado, uma espécie de monomania pelo Brasil. Trata-se de um homem idealista que valoriza tudo quanto há em sua terra, sentindo profunda necessidade de “praticar” o seu ideal. Como o romance se divide em três partes, cada uma delas compreende uma dessas “práticas” do idealismo de Quaresma.

Na primeira, nosso visionário (como diz Floriano Peixoto) busca conhecer com propriedade nossa cultura popular, ao ponto de buscar aprender violão e os costumes indígenas. Na segunda, Policarpo se dedica à agricultura, disposto a comprovar a riqueza e fertilidade de nosso solo. Na última, ele busca servir sua pátria, num momento em que rebeldes se levantam contra o governo. Nessas três realizações, ele se frustra, pois não é compreendido. Policarpo não consegue se enquadrar ao perfil convencionado pelos “homens de sociedade”. Seu impetuoso desejo de enaltecer sua nação faz com que ele tenha atitudes pueris, responsáveis por levá-lo ao seu “triste fim”. Só duas pessoas compreendem Quaresma: Olga, sua afilhada que, também vítima das convenções sociais, casa com um homem ambicioso, embora não lhe dedique submissão; e Ricardo Coração dos Outros, trovador de modinhas que, mesmo sendo, a certa altura do livro, influenciado por interesses políticos, jamais abandona seu ideal artístico.

A leitura deste livro exige certa paciência daqueles que, como eu, não toleram política. Mas reitero a afirmação de que a arte subsiste nele o tempo todo, de tal forma que o Policarpo Quaresma ganha a total simpatia do leitor, que ri e que chora diante de seu tão puro e sincero idealismo.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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2 comentários:

  1. gostei desse trecho: "O século XX é marcado por uma nuvem de escritores preocupados em denunciar os problemas nacionais, sejam políticos, econômicos, religiosos, etc. Sou dos que pensam que a literatura deve ser pura e laica, livre de partidos e de tendências influenciadoras. Daí, minha preferência pelos autores oitocentistas que, geralmente, mesmo quando tratam de política, usam-na como mero pano de fundo, não deixando em segundo plano o ideal artístico que é a obra literária em si."

    eu também tentei ler esse livro umas duas vezes, fui vencido pelo cansaço. não gosto de livros que deixem a arte literária em segundo plano e se deixam levar por questões sociais e políticas... foi um dos motivos que me fez se desinteressar por george orwell e o jorge amado, ambos com obras bastante sociais e políticas.

    Alias a Rachel fez isso em Caminho de Pedras que pra mim só melhora do meio pra frente quando ela abandona essas questões e foca na narrativa dos personagens principais com seus dramas e problemas.

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    1. Como disse na resenha, a obra não deixa morrer o teor literário. A leitura fica cansativa, mas logo se recupera. O livro possui muitas passagens agradáveis com os personagens secundários. É que acabei não colocando isso no post, pra não estendê-lo muito.
      Não sabia que George Orwell era desses! Ele é tão endeusado. Nunca li, mas falam tanto de "1984" e "A Revolução dos Bichos" que pretendo ler um dia.
      Jorge Amado é mais tolerável. Ao menos, "Seara Vermelha" (único que li) não chega a perder o interesse do leitor.

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