segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Vermelho Amargo, de Bartolomeu Campos de Queirós - RESENHA #22

O nome de Bartolomeu Campos de Queirós não me era estranho. Consultando minha relação de livros lidos, encontrei seu nome na seção dos infantojuvenis. Tinha lido Faca Afiada. Sendo sincero, foi um dos livros mais chatinhos da minha infância. Contudo, não fiquei menos curioso para ler Vermelho Amargo, tão comentado desde seu lançamento em 2011, sendo o último livro publicado em vida pelo autor, que veio a falecer no ano seguinte.

Minha edição, recentemente adquirida, é da saudosa Cosac Naify. O livro, mesmo não chegando a 80 páginas, possui capa dura; aliás, possui uma capa bem dura mesmo; não se trata exatamente de uma capa, mas de um bloco de madeira. Penso que todo mundo deve ter achado estranho essa encadernação exageradamente resistente num livro tão curtinho, mas vindo da Cosac, tinha que ter uma explicação plausível. Agora que finalmente o li, pude compreender.

Vermelho Amargo expressa uma dureza tão extrema quanto sua capa. Trata-se de uma narrativa autobiográfica que funciona como um desabafo. A impressão que tive foi de muito ressentimento envolvido naquelas poucas páginas, exprimindo angústias reprimidas por longo tempo. A experiência foi totalmente diferente do que eu supunha. Portanto, advirto desde já que este livro constitui uma prosa poética muito pesada, onde a poesia se sobressai através de uma escrita requintada e muitas vezes obscura, que narra os sofrimentos de um menino em sua atormentada infância.

Não há divisão de capítulos. A obra principia com uma frase do próprio autor; depois, a narrativa toma seu curso livremente sem interrupções até o seu desfecho. Narrado em 1ª pessoa, Vermelho Amargo conta a história de um menino que, após a morte da mãe, vive oprimido, assim como seus irmãos, pela presença de uma madrasta desprezível. Nenhum dos personagens é nomeado. A própria ação é bastante obscura, uma vez que é relatada numa linguagem intencionalmente poética.

Não aprecio muito obras que realizam essa mistura de gêneros, principalmente quando num livro de prosa de ficção, sobressai a poesia que, a meu ver, deveria ser simplesmente um artifício, um recurso estilístico do prosador. Do mesmo modo, quando você tem um poema narrativo que preza mais pelo enredo que pela própria musicalidade poética, não considero bem construído. Este Vermelho Amargo, penso, ficaria muito melhor em versos. Nem seria muito trabalhosa tal transposição. O problema, em suma, não é a prosa poética, tão cultivada por escritores de estro sensível; o problema é querer obrigar a prosa a ser poesia ou vice-versa.

O narrador alterna continuamente suas lembranças da mãe e da madrasta. A forma como esta última, todos os dias, corta o tomate em rodelas finíssimas para as refeições, causa forte impressão nele, que associa a opressão da madrasta à obrigação de comer os tomates. Em nenhum momento são relatados atos de maldade da nova senhora, mas fica subentendido o desprezo da mesma pelos enteados e uma possível colaboração no processo de dispersão da família. Pouco a pouco, os filhos vão deixando o lar. O narrador faz uma espécie de contagem regressiva no percurso da história, à medida que os membros deixam a casa paterna. São seres peculiares esses irmãos: além do narrador, temos um garoto que come vidro, uma moça que vive bordando em cruz, uma menina que mia por seu gatinho mudo, outra que brinca de nascer todo dia num país diferente e um último sobre o qual nada é dito.

Para escapar de seu sofrimento, o narrador apega-se a um amor. Eis um ponto delicado do livro. Em alguns momentos, o leitor julga ser esse amor apenas produto de uma imaginação infantil ou simplesmente a estima pela mãe falecida. No entanto, o menino persiste em referir seu amor numa perspectiva carnal, seja nos encontros que se dão na solidão de um porão, nos beijos trocados, nas necessidades exigidas por seu corpo e, finalmente, na satisfação produzida por aquele amor que acaba fazendo-lhe esquecer seus padecimentos. Como o narrador não revela sua idade no tempo da narrativa, imagino que ele não seja tão menino assim. Mas esta é só mais uma dentre tantas lacunas deixadas em aberto pelo autor.

Um ponto interessante a ser lembrado é que Vermelho Amargo é todo entremeado com frases de efeito, reflexões que fazem a gente querer anotar passagens e mais passagens, de tão bonitas que são. Essas frases de efeito são o que, de certa forma, sustentam o livro, uma vez que o enredo é bastante insípido e sem grande interesse. Por isso, insisto em dizer que a transposição para versos melhoraria consideravelmente a consistência da obra. Para mim, não foi uma leitura agradável, especialmente por conta da atmosfera pesada e melancólica; mas compreendo ser este livro não apenas uma obra de arte, mas a expressão de alguém que precisava vazar seus sentimentos livremente no papel. É como diz a frase de abertura: “Foi preciso deitar o vermelho sobre papel branco para bem aliviar seu amargor”.

Avaliação: ★★★
Daniel Coutinho

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3 comentários:

  1. Eu também acredito que a poesia é mais um artificio que deve ser usado pelo ficcionista do que simplesmente incorporá-la ao campo textual como se ela fizesse parte constante da prosa. Se bem que o gênero romanesco abarca todos os gêneros. Mais uma bela resenha!! Adorei!!

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    1. Fico muito feliz pelo seu comentário, especialmente porque sei que você entende muito mais de poesia do que eu. Então, acho que não falei besteira na resenha rsrsrs

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