sábado, 30 de dezembro de 2023

A Princesinha (A Little Princess), de Frances Hodgson Burnett - RESENHA #204

A feliz experiência que tive com O Jardim Secreto, da inglesa Frances Hodgson Burnett, levou-me a querer conhecer outros títulos da autora. Seguindo o caminho mais óbvio, escolhi A Princesinha (1905) como próxima leitura. E, mais uma vez, Frances me mostrou o que é literatura infantil de alta qualidade.

A primeira versão deste clássico saiu com o título Sara Crewe (1888) em formato de conto. Os editores de Frances, no entanto, sugeriram um desenvolvimento melhor para a irresistível história da orfãzinha, o que resultou no livro que temos hoje, publicado mais de quinze anos depois em formato de romance.

A Princesinha, tal como O Jardim Secreto, é uma narrativa que explora valores como bondade, generosidade e esperança. Cada capítulo é uma espécie de lição que nos leva a refletir na riqueza que são os bons sentimentos. Sara é uma criança tão perfeita, que chega a ser difícil admitir sua existência, mas, ao longo do livro, acabamos conhecendo seu lado frágil em momentos de vulnerabilidade.

Sara é uma menina rica, filha do capitão Crewe, um importante negociante indiano. Órfã de mãe, aquela filha única sempre teve de tudo, sendo mimada pelo pai nos mínimos detalhes; mas, por conta dos negócios, o capitão decide matriculá-la num renomado colégio interno em Londres. A senhorita Minchin, diretora do internato, recebe Sara com bastante cordialidade, oferecendo-lhe todos os confortos disponíveis em sua escola, mas sua conduta é sempre guiada pela situação financeira avantajada daquele pai tão generoso.

A princípio, tudo parece correr bem para Sara que, com seu jeito doce e meigo, conquista muitas amizades, mas também inveja e antipatia de umas poucas garotas. Um funesto acontecimento, porém, muda a posição social de Sara do dia para a noite, transformando-a de princesinha em pobre serviçal. A repentina mudança gera um grande desafio para ela, que precisará adaptar-se a um novo cenário nada convidativo, mas que se tornará suportável graças ao poder de sua imaginação.

Lendo A Princesinha, tive o mesmo pensamento de quando li O Jardim Secreto: “O mundo inteiro precisa ler e praticar as lições deste livro”. As mensagens contidas nas obras de Frances não se aplicam somente às crianças. A verdade é que nós, adultos, carecemos muito mais da aplicação delas em nossas vidas.

É muito interessante como as páginas d’A Princesinha conversam com os nossos bons sentimentos. É como se o que há de melhor em nós reagisse aos episódios do livro, exclamando em nosso interior: “É isso mesmo! É assim que se faz!”, e desse modo confirmando que também somos pessoas boas e capazes de fazer o bem.

Livros como O Jardim Secreto e A Princesinha são renovadores de esperança. Eu me refiro à esperança em nós mesmos. A leitura deles nos faz pensar que, ao invés de olharmos para a humanidade como juízes, devemos fazer a nossa parte, e isso, de certa forma, bastará.

Avaliação: ★★★★★

Daniel Coutinho

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sábado, 9 de dezembro de 2023

A Viúva Simões, de Júlia Lopes de Almeida - RESENHA #203

D. Júlia é um talento inegável. Dentre todas as escritoras brasileiras que já li, sua obra tem ressaltado com um viço e uma potência impressionantes, e isto vem se confirmando com mais força a cada nova leitura. A Viúva Simões (1895) é minha sexta experiência com a autora e, como já esperado, o livro caiu na minha graça.

É simplesmente maravilhoso quando lemos um autor pelo qual nos apaixonamos, principalmente quando, a cada novo livro, essa paixão só aumenta. Os livros de Júlia Lopes de Almeida conversam comigo de uma forma encantadora, pois o estilo deles vai diretamente ao encontro do meu gosto pessoal. A escolha dos temas, a construção dos enredos, a caracterização e atuação dos personagens, a condução da narrativa, o estilo de escrita... Tudo isso me agrada. Talvez o uso de alguns estrangeirismos seja o único ponto incômodo, mas nada que tire o brilho desses livros tão preciosos que a autora nos deixou.

Em A Viúva Simões, acompanhamos o drama de Ernestina que, tendo enviuvado muito jovem, renova suas antigas inclinações por Luciano, seu primeiro amor. O antigo namorado, porém, embora atraído pela viúva, é um homem mundano, avesso a compromissos. Depois de uma longa ausência, tendo vivido muitos anos na Europa, Luciano retorna ainda solteiro e passa a frequentar a casa de Ernestina, com quem flerta descaradamente.

Ernestina, contudo, possui uma filha já crescida, a jovem Sara, que em tudo lembra o falecido comendador Simões. Luciano antipatiza a garota à primeira vista, e não se esforça em nada por esconder da mãe sua opinião em relação à filha, mesmo o que diz respeito à aparência dela. Ernestina esforça-se ao máximo por apaziguar a situação, especialmente depois que Sara começa a perceber um movimento de mudanças acontecendo em sua casa.

Fiel à memória do pai, Sara encara pessimamente as atitudes da mãe, que interrompe o luto em menos de um ano. Mas essa alteração de cores no visual da família faz ressaltar a beleza de Sara, que já não é mais tão desinteressante aos olhos de Luciano. Uma aproximação inevitável entre os dois desencadeia uma série de acontecimentos dramáticos e até trágicos.

Uma qualidade das mais excelentes em D. Júlia é o manejo dos personagens secundários, sempre valorizados em seus romances. A caracterização que ela nos dá faz com que os enxerguemos tão nitidamente quanto as figuras centrais, e o movimento deles em cena confere um toque bastante realista aos episódios da trama. Os empregados de Ernestina não são meros figurantes. Ainda que a autora não se atenha a todos por igual, conhecemos suas existências, suas rotinas e suas aspirações.

Outra característica já percebida em leituras anteriores, e que considero muito positiva, é esse “efeito crescente” nos seus romances. À medida que avançamos no texto, a trama parece ganhar mais consistência, como um caldo que vai engrossando até atingir o ponto ideal. Quando finalmente chegamos ao desfecho, temos a imagem final de uma obra belamente acabada, onde, de modo geral, tudo está no seu devido lugar e nada mais precisa ser dito.

A Viúva Simões me deixou ainda mais apaixonado por sua autora. D. Júlia é hoje para mim um porto seguro, um lugar aconchegante onde sempre serei bem recebido. É um alento saber que ainda tenho vários livros dela para desfrutar. São essas alegrias que nos mantêm sendo leitores. E como isso é bom!

Avaliação: ★★★★★

Daniel Coutinho

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