João Salomé Queiroga (1810?-1878) foi um
escritor mineiro que, juntamente com seu irmão Antônio Augusto de Queiroga,
atuou no período do pré-romantismo, ainda que suas obras tenham sido publicadas
tardiamente. Os irmãos Queiroga, como eram conhecidos, participaram da fundação
da Sociedade Filomática em 1833, agremiação literária que defendia a realização
de uma literatura de cor local.
Salomé Queiroga, de fato, prezou, tanto na
poesia quanto na prosa, pela divulgação dos costumes e tipos populares,
especialmente os de sua região. Maricota
e o Padre Chico (1871), seu único romance, como já alerta o subtítulo, propõe-se
a relatar uma lenda do Rio S. Francisco.
Esboçado sob os moldes românticos, o livrinho de
Salomé Queiroga, apesar de ter uma escrita razoável, peca pelo mau
desenvolvimento dos episódios narrados. Talvez na intenção de ser o mais fiel
possível à narrativa popular, o autor acabou prescindindo de recursos que
tornassem o objeto de sua trama mais interessante.
Aos primeiros capítulos o autor já nos conta
como teve conhecimento da referida lenda. Fora durante uma viagem de barco, exatamente
no local onde se desenrolara o causo, que ouvira a narração de um sertanejo,
tendo este ouvido de seus antepassados.
Maricota era uma linda menina que, ficando órfã
muito cedo, vivia sob os cuidados de dona Dulce, sua tia. É uma típica heroína
romântica, com todos os encantos e simpatias do costume. Quando completara sete
anos, idade da razão segundo a Igreja, encontrara de forma muito misteriosa um
gato preto, a quem denominara de Diabinho, uma vez que as pessoas, sobretudo
sua tia, acreditavam que o belo animal tinha procedência maligna.
Quanto ao padre Chico, trata-se de um sacerdote
de má índole, avaro e libidinoso, que acaba manifestando interesses carnais
pela ingênua Maricota, que estremece e chega a adoecer ante o olhar
concupiscente do vigário. Num episódio curioso, o padre Chico acaba sofrendo
uma mordida do Diabinho, afastando-se a partir daí de todas as suas atividades
religiosas. Alguns chegam a afirmar que o espírito ruim que habitava o corpo do
gato fora transmitido ao padre, ficando este endemoninhado.
Outro personagem relevante é o Quincas da
Conceição, o mocinho da história. Órfão como Maricota, Quincas estudara um
tempo no Rio de Janeiro, mas regressara à fazenda que herdara, assumindo o
controle de tudo com maestria. É também pintado sob o molde do herói romântico,
o que pode ser confirmado já no episódio de sua adolescência, quando pusera a
própria vida em risco para salvar o índio Pugichá de um afogamento.
Durante uma visita de Quincas e sua irmã
Chiquinha à casa de Maricota, outro episódio curioso acontece: após repreender
o Diabinho com uma relíquia sagrada dada por certo missionário chamado Frei
Clemente, Maricota percebe que involuntariamente matara o animal, cometendo
assim um “gaticídio” segundo o Quincas. Este, acreditando nas propriedades
milagrosas da relíquia e conhecendo as más intenções do padre Chico, apodera-se
de um pedaço da relíquia para oportuno uso.
De fato, aparecendo o padre Chico na mesma
residência, Quincas, que já declarara seu amor por Maricota com quem esperava
casar-se, revolta-se contra a exploração demonstrada pelo sacerdote para com os
bens de sua futura noiva. No entanto, após tentar provar que o padre valia-se
de sua posição sacerdotal para obter vantagens pessoais, Quincas é excomungado
pelo religioso. A relíquia sagrada de frei Clemente, contudo, poderá ser a
salvação do valoroso noivo de Maricota.
Apesar de seus inúmeros defeitos, o livro de
Salomé Queiroga revela o nobre interesse da já citada Sociedade Filomática,
dando espaço aos costumes e usos regionais, além de apresentar diversas notas
de rodapé que os esclarecem. Seu valor, contudo, não chega nem perto de uma
obra regionalista anterior, O Ermitão do Muquém, pioneira no gênero, escrita por outro mineiro, o fabuloso Bernardo
Guimarães.
Algumas considerações também são dignas de
interesse, como a indignação do autor perante a condição do escravo naquela
época. Surpreendeu-me bastante a franqueza com que ele nos mostra o racismo por
parte da própria heroína, talvez na tentativa de provar que as más convenções
pervertem até os seres mais angelicais.
João Salomé Queiroga foi inegavelmente um
simpatizante das letras, um entusiasta como costumo dizer. É compreensível seu
obscurantismo e conhecer sua obra representa mais um interesse de natureza
pessoal. Mas certamente que a cena do “gaticídio” já fez valer a leitura deste
livrinho rs.
Avaliação: ★★
Daniel Coutinho
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