A
leitura de O Morro dos Ventos Uivantes
(1847) foi um misto de sensações boas e ruins. Poderia resumir o post nesta frase. Contudo, prefiro
esclarecer mais detalhadamente minhas impressões, como sempre faço rs. A
princípio, deixem-me confessar que esse livro é um dos muitos daqueles que
imagino ser a última pessoa a ler. O título, por si só, dispensa apresentações,
mas a verdade é que a mim ele perturbou mais que agradou. Li a tradução de
Octávio Mendes Cajado para a “Coleção Saraiva”, numa edição em 2 volumes.
A
história, imagino que todo mundo conheça; mas se isto é uma resenha, vamos
recordá-la, sim?
Nas
proximidades de Gimmerton, uma aldeia da Inglaterra, vive a família Earnshaw. O
casal tem dois filhos: Hindley e Catherine. Todos vivem aparentemente bem na
isolada propriedade Wuthering Heights (que é o título original do romance). A
paz doméstica é interrompida com a chegada de um novo membro na família.
Trata-se de Heathcliff, um garotinho com aparência de cigano, que fora
encontrado abandonado, quando Mr. Earnshaw fazia uma viagem. De antemão,
podemos dizer que Heathcliff é centro de todo o enredo, pois ele será o
principal desencadeador de conflitos ao longo do livro.
O
primeiro desses conflitos é a rivalidade entre Heathcliff e Hindley, pois este
último despreza ter que dividir sua família, especialmente seu pai, com o
estranho enjeitado. Catherine, por outro lado, torna-se “amiga” do ciganinho,
que acaba virando cúmplice de suas criançadas. A morte dos senhores de
Wuthering Heights, porém, faz de Hindley o novo soberano da casa, o que servirá
para sujeitar todos à sua vontade, principalmente Heathcliff. Hindley acaba
casando com uma mulher chamada Frances; com ela, tem um filho, batizado de
Hareton. Após o nascimento da criança, Frances adoece e acaba morrendo dias
depois. Hareton fica sob os cuidados de Nelly, a criada da casa. Essa Nelly é
personagem fundamental da obra, uma vez que ela é quem conta praticamente toda
a história. Daí, façamos um parêntese para compreender os narradores de Wuthering Heights.
O
romance é todo narrado em 1ª pessoa, inicialmente por Lockwood, depois por
Nelly, a quem corresponde mais de 90% da narração. O que ocorre é que o livro
se inicia após os principais acontecimentos da trama. Lockwood aluga Thrushcross
Grange, propriedade mais próxima de Wuthering Heights e pertencente ao mesmo
dono. Decidido a conhecer melhor o seu locador, Lockwood faz-lhe uma visita e
acaba tendo que passar a noite na casa por conta de uma tempestade. No quarto
indicado para dormir, o visitante encontra as anotações de Catherine, o que
desperta sua curiosidade sobre a história daquela antiga moradora. Nelly, que,
a essa altura, é governanta em Thrushcross Grange, é quem lhe contará toda a
história, a começar pelo que já referi. Vamos prosseguir?
Os
sentimentos de Catherine e Heathcliff vão se fortalecendo com o passar dos anos
e se transformando em algo muito maior que amizade. Catherine, contudo,
reconhece que Heathcliff não passa de homem rude e ignorante, muito distante do
perfil de homem que idealizava para marido. Quem terá esse perfil é Edgar
Linton, filho dos proprietários (à época) de Thrushcross Grange. Edgar e sua
irmã Isabella foram amigos de infância de Catherine, que está decidida a casar
com o moço, principalmente para livrar-se do despotismo de Hindley e, quem
sabe, poder livrar também a Heathcliff de toda aquela opressão vivida em Wuthering
Heights. Consciente de seus sentimentos por Heathcliff, Catherine decide contar
tudo a Nelly, sem perceber que o rapaz está à escuta. Quando Catherine revela
que, para ela, seria degradante casar-se com o irmão de criação, este sai
imediatamente de casa e trata de desaparecer. Tivesse demorado um pouco mais,
Heathcliff teria ouvido a confissão do amor de Catherine por ele. Ao
aperceber-se do desaparecimento do rapaz e dos possíveis motivos para tal
sucesso, Catherine entra numa crise nervosa que abate ferozmente sua saúde.
E
aqui assinalo a maldição que é Heathcliff. Como já contei, antes de aparecer em
Wuthering Height, tudo ia bem com a família Earnshaw. A chegada de Heathcliff é
que vem pôr tudo em desordem rsrsrs. Quando ele desaparece, magicamente, tudo
fica bem novamente, tão logo, claro, Catherine se recupera de sua crise. A paz
volta a reinar e o casamento com Edgar Linton logo acontece. Nelly faz questão
de mencionar a felicidade dos primeiros anos que sucederam àquele enlace. Mas,
infelizmente, aquilo não se prolongaria por muito tempo. O que vocês acham que
acontece? Sim! Heathcliff retorna de seu misterioso paradeiro, e bastante rico!
Em vários momentos do livro, a autora joga com esse mistério por trás desse
fatal personagem. Em certa passagem, inclusive, ele é comparado a um lobisomem
ou vampiro, sempre persistindo os fatos obscuros de sua vida: seu nascimento,
seu estranho comportamento, seu sumiço, seu enriquecimento, etc. A verdade é
que Heathcliff é um verdadeiro monstro, e isso ficará bastante claro a partir
de seu regresso de não se sabe onde. Não quero dar spoiler e penso até que já
revelei muita coisa, mas posso adiantar que o propósito dessa repentina volta
do nosso lobisomem é acertar pendências: com Hindley, com Linton, com Catherine,
com todos.
Devem
estar lembrados de Hareton, o filho de Hindley. Ele terá importante papel na
trama, mas não poderei entrar em detalhes sem revelar importantes
acontecimentos, os quais prefiro poupar aos futuros leitores da obra.
O Morro dos Ventos Uivantes é um livro perturbador.
Não poucas vezes o leitor sentirá profunda revolta lendo suas áridas páginas.
Os personagens, no geral, são desprezíveis e representam o motivo de ódio de
muitos pela obra de Emily Brontë. Não obstante seus defeitos no que diz
respeito a ocorrências improváveis, a escrita da autora nos convence a
prosseguir, e confesso que me senti recompensado quando cheguei ao 2º volume,
que embora também seja permeado pela maldade, representa com louvor a vitória
da luz sobre as trevas.
Avaliação: ★★★
Daniel Coutinho
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