quinta-feira, 13 de agosto de 2020

A Casa do Ódio, de Maria José Dupré - RESENHA #139

Maria José Dupré, ao longo de sua carreira literária, dedicou-se basicamente ao romance e à literatura infantil. No entanto, publicou em 1951 este volume A Casa do Ódio que, além da novela homônima, continha quatro contos e mais um episódio extraído de seu primeiro livro infantil.

Não percebi nas breves composições deste livro qualidades que superassem as da romancista. “A casa do ódio” segue o estilo que tornou conhecida a autora de Éramos Seis, oscilando por um ritmo inconstante e desigual. Quanto aos contos, ainda que agradáveis, à exceção de “O divórcio”, pouco ou nada dizem.

O volume abre-se com a novela que o intitula. Trata-se da história de José Spadini, ou simplesmente Beppe, descendente de imigrantes italianos que, após a morte dos pais, abandona o cultivo dos cafezais e emprega-se numa alfaiataria, da qual torna-se legítimo proprietário em pouquíssimo tempo.

Beppe contrai casamento com Marta, uma viúva de péssima reputação que vivia com duas filhas pequenas. Desta união nascem José, Júlio e Ida. A família passa a ter uma vida tranquila e confortável, mas a conduta questionável de Marta, negligente enquanto mãe e esposa, contribui para a desestruturação do lar.

Incomodou-me o destino dado às filhas de Marta nesta novela, especialmente pela maneira quase mecânica como os fatos se dão: uma após a outra vai trilhando caminhos parecidos. No caso de Ida a autora detém-se um pouco mais; no entanto, a filha caçula é só mais uma vítima das circunstâncias como suas irmãs.

A indolência dos dois irmãos também é um tanto incompreensível. Ambos tinham projetos pessoais para o futuro, mas acabam abandonando seus sonhos para seguirem o pai numa vida monótona e fastidiosa. Quanto à Marta, embora funcione como uma espécie de maldição do lar, suas leviandades não são suficientemente explicitadas, o que dificulta o entendimento de todo o ódio que ela inspira em Beppe e nos próprios filhos.

“A casa do ódio” vale mais pela fase anterior à Marta, onde a autora nos dá detalhes sobre a infância do protagonista, e pela fase posterior ao caso de Ida, quando finalmente chegamos à casa aludida pelo título. É nessa fase final, sobretudo, que a narrativa ganha uma atmosfera mais sombria e carregada, distanciando-se dos dramalhões anteriores e concentrando-se numa prosa mais introspectiva e poética.

“Faltou o ‘X’” é um episódio bobo que se passa num convento sobre um engano cometido por uma das freiras. “Meninas tristes”, embora mais interessante, resume-se numa tela triste onde o que sobressai é a vida tediosa de três meninas subjugadas pelo patriarcalismo.

“Nobreza” é a faixa bonitinha do disco, aquela música que não é grande coisa, mas que causa boa impressão. É sobre a postura de uma esposa perante a antiga amante de seu marido. “O divórcio” é seguramente o mais substancioso dos contos, mostrando os traumas de um homem perante a separação dos pais. “O casamento do pintassilgo” encerra o volume com um toque de fofura, mas, como já foi dito, trata-se de um excerto do livro Aventuras de Vera, Lúcia, Pingo e Pipoca.

Embora eu tivesse expectativas maiores por esta leitura, não a considero decepcionante. Se tivesse lido apenas “A casa do ódio”, teria ficado bem mais insatisfeito, mas “O divórcio” e “Nobreza”, e talvez até “Meninas tristes”, enriqueceram a experiência como um todo, mostrando-me algumas facetas da senhora Dupré que eu ainda não conhecia.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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2 comentários:

  1. Profundo, poético, sobretudo os contos, que você achou bobos... Cheguei de deprimir-me com essa análise ligeira e superficial sobre a obra, cujos relatos falam de fatos e sentimentos muito presentes na existência do homem sobre a terra, em especial do brasileiro. Como a proximidade da morte redimensiona tudo. Como é fácil destruir a vida de moças com comportamentos cínicos e calculados. Como certos trabalhos de magia modificam destinos. Quão importante é abraçar um sobrinho. E por aí vai... Caríssima Maria José Dupré.

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    1. O fato de ter tido impressões e uma experiência diferente da sua não tornam minha análise "ligeira e superficial". Eu sou um grande apreciador de Maria José Dupré. Tenho sua obra completa e sigo fazendo a leitura da mesma em ordem cronológica. Justamente por estar tendo essa visão de "todo o conjunto", sinto-me capaz de considerar "Gina" um livro péssimo e "Vila Soledade" uma obra fantástica. Amar um autor não nos obriga a fazer vista grossa perante seus defeitos. Um abraço!

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