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seguida à leitura de Lampião, pela
qual pude constatar o talento de Rachel enquanto dramaturga, passei à segunda e
última peça da grande autora cearense: A
Beata Maria do Egito (1958), que me agradou ainda mais que a anterior.
Publicada
cinco anos depois de Lampião, A Beata Maria do Egito revela uma
teatróloga mais concisa e exuberante na realização de sua dramaturgia.
Inspirada na história de uma religiosa que vendeu o próprio corpo para obter
liberdade, a peça nos transporta para uma delegacia de polícia no interior do
Ceará dos tempos do Padre Cícero.
Inconformado
com a eleição de Franco Rabelo, o Padre Cícero se rebela contra o governo,
valendo-se do auxílio de cangaceiros e jagunços. Carecendo de fortificar ainda
mais o seu exército particular no Juazeiro, o padre convoca o apoio de seus incontáveis
fiéis. Dentre eles destaca-se Maria, uma jovem beata, tida como santa
milagreira, que peregrina pelo sertão em busca de homens que se aliem à causa
do seu mestre.
As
autoridades do estado, preocupadas com a grande adesão conquistada pela beata,
decidem prendê-la, ficando a religiosa sob os cuidados do tenente João. Ao ver aquela
mulher bela e jovem, João não compreende como a mesma possa se submeter a uma
vida penitente, peregrina e cheia de restrições.
A grande
força dramática da peça está na paixão que a beata desperta no coração do tenente.
Este, dividido entre o cumprimento do dever e as inclinações da carne, trava
uma difícil relação de amor e ódio com Maria que, mesmo revestida de fanatismo
religioso, possui encantos que tiram o sono do tenente. À parte deste conflito
emocional, a pressão popular pela liberdade da beata dificulta ainda mais toda
esta situação.
Eis uma peça
praticamente irretocável. Cada um dos três atos é brilhantemente desenvolvido e
com uma carga dramática impressionante. Os diálogos são admiráveis e conduzidos
com maestria, de modo que, quando lidos, já antecipam a forte impressão que
seguramente causam em cena.
Para mim,
apenas a figura do coronel Chico Lopes não teve um desenvolvimento tão
satisfatório quanto os demais personagens. Ainda que representasse um papel
importante enquanto autoridade local, sua participação na peça não reverbera
desdobramentos notáveis. A dramaticidade fica por conta dos outros três
personagens: o tenente, a beata e o cabo Lucas, além da voz popular, que nos
aparece de forma indireta.
De todo
modo, A Beata Maria do Egito é sem
dúvida uma pérola do teatro cearense e, com ela, temos mais uma prova do
inquestionável talento de nossa eterna Rachelzinha.
Avaliação: ★★★★
Daniel Coutinho
***
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