sábado, 15 de agosto de 2020

A Beata Maria do Egito, de Rachel de Queiroz - RESENHA #141

Logo em seguida à leitura de Lampião, pela qual pude constatar o talento de Rachel enquanto dramaturga, passei à segunda e última peça da grande autora cearense: A Beata Maria do Egito (1958), que me agradou ainda mais que a anterior.

Publicada cinco anos depois de Lampião, A Beata Maria do Egito revela uma teatróloga mais concisa e exuberante na realização de sua dramaturgia. Inspirada na história de uma religiosa que vendeu o próprio corpo para obter liberdade, a peça nos transporta para uma delegacia de polícia no interior do Ceará dos tempos do Padre Cícero.

Inconformado com a eleição de Franco Rabelo, o Padre Cícero se rebela contra o governo, valendo-se do auxílio de cangaceiros e jagunços. Carecendo de fortificar ainda mais o seu exército particular no Juazeiro, o padre convoca o apoio de seus incontáveis fiéis. Dentre eles destaca-se Maria, uma jovem beata, tida como santa milagreira, que peregrina pelo sertão em busca de homens que se aliem à causa do seu mestre.

As autoridades do estado, preocupadas com a grande adesão conquistada pela beata, decidem prendê-la, ficando a religiosa sob os cuidados do tenente João. Ao ver aquela mulher bela e jovem, João não compreende como a mesma possa se submeter a uma vida penitente, peregrina e cheia de restrições.

A grande força dramática da peça está na paixão que a beata desperta no coração do tenente. Este, dividido entre o cumprimento do dever e as inclinações da carne, trava uma difícil relação de amor e ódio com Maria que, mesmo revestida de fanatismo religioso, possui encantos que tiram o sono do tenente. À parte deste conflito emocional, a pressão popular pela liberdade da beata dificulta ainda mais toda esta situação.

Eis uma peça praticamente irretocável. Cada um dos três atos é brilhantemente desenvolvido e com uma carga dramática impressionante. Os diálogos são admiráveis e conduzidos com maestria, de modo que, quando lidos, já antecipam a forte impressão que seguramente causam em cena.

Para mim, apenas a figura do coronel Chico Lopes não teve um desenvolvimento tão satisfatório quanto os demais personagens. Ainda que representasse um papel importante enquanto autoridade local, sua participação na peça não reverbera desdobramentos notáveis. A dramaticidade fica por conta dos outros três personagens: o tenente, a beata e o cabo Lucas, além da voz popular, que nos aparece de forma indireta.

De todo modo, A Beata Maria do Egito é sem dúvida uma pérola do teatro cearense e, com ela, temos mais uma prova do inquestionável talento de nossa eterna Rachelzinha.

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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