sábado, 4 de julho de 2020

O Apanhador no Campo de Centeio (The Catcher in the Rye), de J. D. Salinger - RESENHA #136

Há alguns anos, quando li O Morro dos Ventos Uivantes, da inglesa Emily Brontë, experimentei isso que costumam chamar de “relação de amor e ódio”, uma vez que, mesmo repudiando os personagens detestáveis do livro, sentia-me atraído pelas qualidades ficcionais daquela autora.

Algo similar ocorreu agora que li O Apanhador no Campo de Centeio (1951), do norte-americano J. D. Salinger, mas só no que se refere à sensação experimentada, já que o objeto da motivação não foi o mesmo. Holden Caulfield está longe de ser tão repulsivo quanto Heathcliff e, embora muita gente o deteste por ser um adolescente revoltado, preciso confessar que a mim ele não causou tanta antipatia.

Mas então no que consiste o ódio da minha relação dúbia quanto a este livro? Possivelmente na técnica escolhida por Salinger para desenvolver seu único romance, além do fato de, conhecendo-se a vida pessoal do autor, percebermos que estamos diante de uma autobiografia mal disfarçada de ficção.

Ambos os fatores refletem mais uma questão de gosto pessoal que necessariamente problemas literários, mas, dada a quantidade de pessoas que reprovam o livro, podemos pensar se as escolhas de Salinger foram mesmo as mais acertadas. A mim, principalmente na primeira metade do texto, o romance soava monótono e enfadonho, já que as aventuras/interações de Holden não ganhavam o meu interesse.

Diante desse obstáculo, as ideias do protagonista sobre fatos e pessoas acabavam compensando a trajetória de leitura. Como Holden é o narrador do livro, temos acesso às suas impressões de mundo e seu olhar imaturo diante da vida. Quando valorizei esse aspecto do romance em detrimento do enredo em si, passei a fazer um aproveitamento maior da obra de Salinger, que realmente vale mais enquanto romance filosófico.

Quanto ao enredo, para quem ainda o desconheça, O Apanhador no Campo de Centeio nos apresenta basicamente o tumultuado fim de semana de Holden Caulfield, um estudante de dezesseis anos que acaba de ser expulso da escola. Receoso de como os pais lidariam com mais uma expulsão, o garoto escapa do internato e planeja umas “férias” em Nova Iorque.

O livro todo é um grande relato de Holden possivelmente para o editor que publicaria sua história. A linguagem, própria de um adolescente, pode soar repetitiva e carregada. As inseguranças e questionamentos da adolescência são explorados segundo as ideias do narrador-personagem, para quem quase todo mundo é fajuto. Contudo, mesmo desiludido com a humanidade, Holden revela simpatia e interesse pelas pessoas com quem se depara, como se estivesse à procura de alguém que realmente pudesse agradá-lo, mas a única que parece realmente fazê-lo é sua irmãzinha Phoebe, que participa de alguns dos momentos mais interessantes do livro.

A metáfora do título, quando finalmente explicada, talvez seja o ponto mais alto do relato, mas a cena do carrossel é quase que do mesmo nível. A ideia de Holden ser mesmo um inadaptado é um tanto ultrarromântica, como se ele fosse um Byron moderno ou coisa do tipo. Essa dificuldade de se encaixar no mundo é um tema mais antigo que nossos tataravós, como diria Holden; a genialidade de Salinger, no entanto, está em saber traduzir o problema sob o olhar imaturo de um garoto com pouco mais de dezesseis anos.

Embora O Apanhador no Campo de Centeio não seja exatamente o tipo de leitura que eu mais aprecie, não desprezo seus méritos e principalmente a importância que teve para sua época. O problema é se, após a leitura, você desejar se livrar de alguém que considere fajuto. Se acontecer, peço que, por favor, mantenha a calma e vá ler algo como O Retorno do Nativo, do Thomas Hardy, um livro que, aliás, o próprio Holden recomendaria.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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