Há alguns
anos, quando li O Morro dos Ventos Uivantes, da inglesa Emily Brontë, experimentei isso que costumam chamar de
“relação de amor e ódio”, uma vez que, mesmo repudiando os personagens
detestáveis do livro, sentia-me atraído pelas qualidades ficcionais daquela
autora.
Algo similar
ocorreu agora que li O Apanhador no Campo
de Centeio (1951), do norte-americano J. D. Salinger, mas só no que se
refere à sensação experimentada, já que o objeto da motivação não foi o mesmo.
Holden Caulfield está longe de ser tão repulsivo quanto Heathcliff e, embora
muita gente o deteste por ser um adolescente revoltado, preciso confessar que a
mim ele não causou tanta antipatia.
Mas então no
que consiste o ódio da minha relação dúbia quanto a este livro? Possivelmente
na técnica escolhida por Salinger para desenvolver seu único romance, além do
fato de, conhecendo-se a vida pessoal do autor, percebermos que estamos diante
de uma autobiografia mal disfarçada de ficção.
Ambos os
fatores refletem mais uma questão de gosto pessoal que necessariamente
problemas literários, mas, dada a quantidade de pessoas que reprovam o livro,
podemos pensar se as escolhas de Salinger foram mesmo as mais acertadas. A mim,
principalmente na primeira metade do texto, o romance soava monótono e
enfadonho, já que as aventuras/interações de Holden não ganhavam o meu
interesse.
Diante desse
obstáculo, as ideias do protagonista sobre fatos e pessoas acabavam compensando
a trajetória de leitura. Como Holden é o narrador do livro, temos acesso às
suas impressões de mundo e seu olhar imaturo diante da vida. Quando valorizei
esse aspecto do romance em detrimento do enredo em si, passei a fazer um
aproveitamento maior da obra de Salinger, que realmente vale mais enquanto
romance filosófico.
Quanto ao
enredo, para quem ainda o desconheça, O
Apanhador no Campo de Centeio nos apresenta basicamente o tumultuado fim de
semana de Holden Caulfield, um estudante de dezesseis anos que acaba de ser
expulso da escola. Receoso de como os pais lidariam com mais uma expulsão, o
garoto escapa do internato e planeja umas “férias” em Nova Iorque.
O livro todo
é um grande relato de Holden possivelmente para o editor que publicaria sua
história. A linguagem, própria de um adolescente, pode soar repetitiva e
carregada. As inseguranças e questionamentos da adolescência são explorados
segundo as ideias do narrador-personagem, para quem quase todo mundo é fajuto.
Contudo, mesmo desiludido com a humanidade, Holden revela simpatia e interesse
pelas pessoas com quem se depara, como se estivesse à procura de alguém que
realmente pudesse agradá-lo, mas a única que parece realmente fazê-lo é sua
irmãzinha Phoebe, que participa de alguns dos momentos mais interessantes do
livro.
A metáfora
do título, quando finalmente explicada, talvez seja o ponto mais alto do
relato, mas a cena do carrossel é quase que do mesmo nível. A ideia de Holden
ser mesmo um inadaptado é um tanto ultrarromântica, como se ele fosse um Byron
moderno ou coisa do tipo. Essa dificuldade de se encaixar no mundo é um tema
mais antigo que nossos tataravós, como diria Holden; a genialidade de Salinger,
no entanto, está em saber traduzir o problema sob o olhar imaturo de um garoto
com pouco mais de dezesseis anos.
Embora O Apanhador no Campo de Centeio não seja
exatamente o tipo de leitura que eu mais aprecie, não desprezo seus méritos e
principalmente a importância que teve para sua época. O problema é se, após a
leitura, você desejar se livrar de alguém que considere fajuto. Se acontecer,
peço que, por favor, mantenha a calma e vá ler algo como O Retorno do Nativo, do Thomas Hardy, um livro que, aliás, o
próprio Holden recomendaria.
Avaliação: ★★★
Daniel Coutinho
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