Embora
Franklin Távora não seja o romântico com que mais simpatize, preciso é que
reconheçamos seu importante papel na literatura cearense, sendo ele o precursor
do romance por aqui. Os Índios do
Jaguaribe (1862), embora indiscutivelmente menor, saiu mesmo antes da
imponente e vetusta Iracema, de nosso
patriarca Alencar.
Projetado
para ser um romance épico em quatro volumes, Os Índios do Jaguaribe, infelizmente, não passou do primeiro. O
insucesso da obra desanimou seu autor de seguir adiante com tal empresa, uma
vez que o próprio Alencar, referindo-se ao livro, afirmara que os índios de
Távora “precisavam ser descascados”. O comentário afrontoso do criador de Peri
não ficaria sem réplica, provocando as famosas Cartas a Cincinato, nas quais um tal Semprônio atacaria a virgem
dos lábios de mel.
Se o autor d’O Cabeleira não atingiu a poesia de Iracema ou mesmo o poder de fabulação do
Ubirajara, também não se pode dizer
que não prestou nenhuma contribuição com seu primeiro romance que, conquanto
inacabado, vale por seu caráter precursor. Além disso, apesar de seus defeitos,
o livro entrega no mínimo um episódio curioso tendo como pano de fundo a
colonização do Ceará, e também provoca curiosidade sobre o destino de seus
personagens, matéria que seria desenvolvida em El Dorado, o segundo volume jamais concluído.
O jovem
Franklin Távora, interessado pela corrente indianista e desejando explorar um
assunto histórico de sua terra natal, traça seu romance basicamente a partir de
dois núcleos: o dos silvícolas e o dos colonizadores. À parte da ficção
histórica, temos uma espécie de panfletista disposto a criticar o Império e
enaltecer a República, principiando por tecer considerações ásperas sobre o
descaso do imperador para com a região setentrional.
No plano dos
silvícolas, temos a grandiosa figura de Jurupari, guerreiro tabajara que se
sobressai entre os demais, não só por sua força e bravura, mas pela qualidade
sobrenatural de encantar animais, fato este que suscita diversas cogitações e
explicações míticas, além da inveja do próprio Jaguari, o chefe ou cacique.
Jurupari é
apaixonado por Igaraí, mas esta o despreza em razão de seu amor por Japi, cuja
sorte se desconhece desde que fora capturado pelos emboabas. Decidido a
convencer sua amada sobre seus sentimentos, Jurupari declara que, pelo amor de
Igaraí, seria capaz de extinguir toda a sua tribo e beber o sangue do chefe.
Jaguari,
acompanhado de Inharé, pajé dos tabajaras, acaba testemunhando o discurso afrontoso
do destemido guerreiro, e aproveita-se dessa circunstância para conseguir a
condenação de Jurupari durante um conselho entre os grandes. No entanto, muitos
guerreiros inconformados tramam uma conspiração para derrubar Jaguari e elevar o
condenado à posição de novo chefe.
Quanto aos
colonizadores, inicialmente o autor nos leva a Sevilha para conhecê-los. O Dr. del
Sarto e o explorador Pero Coelho de Souza contratam Vraimont, navegador
francês, a fim de fazerem uma expedição para o Brasil. Del Sarto tem interesses
puramente científicos, enquanto seu amigo português aspira por descobrir o
lendário El Dorado.
Raul, jovem
pintor, decide acompanhar o médico espanhol em sua expedição, uma vez que del
Sarto levaria sua filha Matilde, por quem o moço é apaixonado. No Brasil, enquanto
fazia um de seus esboços, Raul presencia uma cena que acaba denunciando uma
possível traição por parte de Vraimont, que na verdade seria aliado de Adolfo
Montbille, explorador francês e inimigo dos portugueses.
A
interrupção do romance acaba deixando algumas lacunas na história, mas há
passagens dignas de nota n’Os Índios do
Jaguaribe, sobretudo nos capítulos finais. O preciosismo da linguagem de
nosso jovem e presunçoso autor é que pode causar alguma estranheza,
principalmente ao leitor contemporâneo. As notas de Otacílio Colares à terceira
edição podem esclarecer alguns pontos, mas, por outro lado, os erros
tipográficos da mesma provocam incômodo ainda maior.
Sobre as
palavras de Alencar em relação à estreia de seu conterrâneo, eu diria ser mais
acertado afirmar que o livro todo carecia ser “descascado”, principalmente no
tocante à linguagem pretensiosa e repleta de arcaísmos, mas não posso concordar
com o posicionamento radical de Lúcia Miguel-Pereira quando disse: “Não existe
o romancista Franklin Távora”.
Avaliação: ★★★
Daniel Coutinho
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