A boa impressão que tive com O Segredo de Brokeback Montain (2005),
filme de Ang Lee, despertou-me o interesse por conhecer o conto original da
escritora norte-americana Annie Proulx, incluso na coletânea Curto Alcance (2000), objeto desta
resenha. O livro infelizmente não caiu na minha graça, reforçando minha
antipatia pela literatura contemporânea, mas não ao ponto de como se dera com
Patti Smith.
Do conjunto de onze histórias, apenas três
ganharam minha aprovação, dentre elas a que motivou o já aludido filme. O
estilo de Proulx maçou-me de tal maneira, que dava-me engulhos, como se
estivesse aspirando esterco de búfalo. Sua maneira de narrar, um tanto prolixa,
pormenorizando o tempo todo, fazendo comparações desenxabidas e dispensáveis,
comprometia constantemente meu interesse pelos enredos, motivando-me a avançar
na leitura não pela fluidez, mas pela pressa de terminar o livro rs.
Há uma falta de método tão perceptível no
desenho dos contos, que poderia garantir que ao menos a maioria foi traçada de
improviso. Proulx provavelmente ia esboçando as histórias a conta-gotas, despreocupada
com o desenvolvimento, quem dirá com o desfecho. Assim, ela vai lançando dois
personagens, depois mais dois, depois mais três, depois mais uma família
inteira, expondo detalhes de um, de outro e de todos, quase sempre informações
irrelevantes que vão encorpando seus contos de considerável extensão.
Para cada conto, uma dose indispensável de
erotismo sacana explanado de forma chula e grosseira. A bruteza das cenas é
outra marca que acompanha toda a coletânea, que preza por uma linguagem crua,
áspera e por vezes escatológica; uma ou outra descriçãozinha da paisagem de Wyoming
suavizando os quadros trágicos e sangrentos. Se havia intenção por parte da
autora de tornar a coletânea homogênea, ao menos este propósito foi alcançado
com louvor, tanto que a leitura de dois ou três contos (preferencialmente os
que eu assinalar) dispensaria sem prejuízo o conhecimento dos demais.
Curiosamente, afora "Brokeback Mountain", os contos que mais me empolgaram não são
exatamente fruto da impressionante verve proulxiana. “A rês semi-esfolada” e “O
baio puro-sangue” beberam em fontes folclóricas o argumento de seus enredos.
Em “A rês semi-esfolada”, que abre a coletânea,
acompanhamos o retorno de Mero à fazenda de sua família após o falecimento de
seu irmão Rollo. Ele, um velho octogenário, decide fazer o longo percurso de
carro. Enquanto enfrenta diversos obstáculos, recorda o tempo em que vivia na
companhia do pai, da madrasta e de Rollo. Aquele súbito regresso, ao passo que
evoca difíceis lembranças, dá-lhe a constatação de que, em todo aquele tempo,
sua vida sempre estivera ligada àquele lugar.
“O baio puro-sangue” é uma divertida lenda sobre
três vaqueiros que encontram o corpo de um homem morto sobre a neve. Um deles,
necessitado de calçados melhores, ambiciona as botas do defunto, mas estas
estavam congeladas e portanto presas ao cadáver. A solução encontrada é decepar
as canelas do morto e esperar que as botas desgrudem delas. Esta circunstância
acaba resultando num mal entendido bastante cômico quando os vaqueiros fazem hospedagem
na cabana de um velho, dono de um baio puro-sangue que tinha fama de
carniceiro.
“Brokeback Mountain”, que encerra o volume, é provavelmente
a luz no fim do túnel. Impressionou-me a fidelidade do filme sobre o conto
original. Parecia mesmo que estava revendo o premiado longa com o saudoso Heath
Ledger. Quem viu o filme pode estar ciente de que o conto não acrescenta
grandes novidades, afora um ou outro detalhe. Não estou desmerecendo o trabalho
de Proulx com tal observação; na verdade, "Brokeback Mountain" é indiscutivelmente
o melhor conto do livro. Nele não temos o excesso de personagens observado em
outras histórias, embora a autora persista na minúcia de detalhes; o enredo, de
modo geral, é mais substancioso, revelando algum método em sua construção. É um
conto que – enfim – certamente teria me impressionado ainda mais se não tivesse
visto o filme tantas vezes.
Se descontarmos os incômodos provocados pela
leitura de Curto Alcance, sobrará
ainda o “prazer” da experiência de entrar em contato com mais uma autora
contemporânea, como também o contentamento de rever os amores de Ennis del Mar
e Jack Twist em sua concepção primitiva ou original.
Avaliação: ★★
Daniel Coutinho
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