sábado, 30 de setembro de 2023

Jane Eyre, de Charlotte Brontë - RESENHA #200

Sou fascinado por certos casos peculiares que fazem parte da história da Literatura Universal. As irmãs Brontë são um grande exemplo disso. É de intrigar a qualquer um que três irmãs nascidas no interior da Inglaterra tenham sido privilegiadas com um talento literário tão potente que as eternizou na memória popular.

Charlottë, Emily e Anne: três mulheres aparentemente simples e com limitado conhecimento de mundo (salvo aquele adquirido pela leitura), mas que deixaram uma contribuição ímpar para a ficção inglesa. Delas, só havia lido a Emily até então, que muito me impressionou com seu perturbador O Morro dos Ventos Uivantes: um livro visceral, cheio de camadas e repleto de exageros mais dignos de comoção que de censura.

Jane Eyre (1847), a meu ver, embora substancioso, não consegue ser tão impressionante. É um romance visivelmente autobiográfico, como já denuncia o subtítulo. O texto trescala um desabafo íntimo de sua autora. Há revolta, indignação, desejo, paixão, sonho e muito mais, tudo aparentemente escrito com o coração e sentimento à flor da pele. São essas emoções tão autênticas que possivelmente fizeram do livro um sucesso.

Logo de início somos dominados pela impetuosidade da pequena Jane que, muito criança, já revelava uma força admirável para enfrentar os seus opressores. Órfã de pai e mãe, Jane é confiada a um tio, cuja esposa não a recebe bem, e muito menos após enviuvar. Os primos, de idade semelhante, igualmente a desprezam. Salvo uma das empregadas da casa, Jane Eyre sofre a antipatia de todos à sua volta.

Mandada para um colégio interno, a garota enfrentará outros desafios, como fome e insalubridade. É dessa época sua amizade com Helen Burns, que marcará Jane por toda sua vida. Penso que tal amizade constitui um dos melhores momentos do livro, principalmente porque, nos capítulos seguintes, não aparecerão outros tipos tão interessantes quanto Helen. Devo confessar, inclusive, que, após a saída de Jane do internato, há uma queda considerável de ritmo, salvo pelos episódios bizarros protagonizados por Bertha Mason, personagem da qual não devo dizer muito.

Jane Eyre torna-se preceptora de uma menina numa casa rica. Adéle é uma garotinha adorável e que, penso, poderia ter sido melhor aproveitada no enredo. A propósito, o mesmo vale para muitos outros personagens, que certamente teriam tornado a parte central do livro mais fluida.

As conquistas amorosas de Jane Eyre infelizmente não me cativaram. A primeira delas, o senhor Rochester, pareceu-me um Heathcliff melhorado ou algo parecido. Também achei bastante automático o interesse súbito entre os dois, mas o fato de que Rochester foi a primeira figura masculina (um namorado em potencial) com quem Jane Eyre travou relações depois de adulta justifica de certa forma a ligeireza da paixão.

Sobre a paixão em Jane Eyre, preciso admitir que, principalmente considerando o ano de publicação da obra, é apresentada com uma franqueza impressionante. A autora, sempre muito clara em seus posicionamentos (o que renderia assunto para um texto à parte), não se intimida em revelar sua protagonista plenamente apaixonada e mesmo capaz de atitudes ousadas para a época.

Uma reviravolta na história promete tornar o livro novamente interessante, mas o segundo pretendente de Jane é um dos personagens mais chatos que tenho visto na literatura inglesa. St. John, por trás de uma capa religiosa cuidadosamente preservada, revela-se um homem presumido e egoísta, capaz de sugerir o sacrifício dos interesses de Jane em benefício dos seus. É nesse ponto que Rochester, como o diabo, parece não ser mais tão feio quanto se pinta.

Jane Eyre, tal como Orgulho e Preconceito, não me agradou da forma esperada, mas conversou comigo bem mais que o romance de Jane Austen. Os primeiros e os últimos capítulos me arrancaram lágrimas, o que por si só já é um mérito em se tratando de critério pessoal. Não se tornou um “livro da vida”, mas me mostrou uma protagonista grande e bela, ao contrário de como a consideravam os outros personagens do romance.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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