Todo mundo
tem uma história de vida pra contar. Em se tratando de escritores, porém, é
bastante provável que essa história venha a lume em alguma de suas obras, ainda
que velada por mil e um artifícios. No entanto, alguns falam tão abertamente de
si próprios, como se o exercício do desabafo estivesse retido até então.
Harry Laus
(1922-1992) foi um escritor catarinense mais lembrado por seu trabalho na
imprensa enquanto crítico de arte. Todavia dedicou-se à literatura ao longo de
sua vida, deixando considerável produção de contos, novelas e inéditos. Os Papéis do Coronel é considerado seu
único romance, tendo sido publicado primeiramente na França (1992) e
posteriormente/postumamente no Brasil (1995).
A razão para
o livro ter sido editado primeiramente em francês justifica-se no fato de que
Harry meio que com ele publicou uma autobiografia romanceada. O aspecto
autobiográfico do romance, contudo, torna-se plenamente claro somente na parte
final do livro.
Embora Harry
fosse assumidamente gay, sempre fora de comportamento discreto, o que era
bastante compreensível se levarmos em conta os preconceitos de sua época, muito
mais intolerante que a nossa. Se considerarmos que o mesmo seguiu carreira
militar, teremos mais clara noção de seus receios perante sua orientação sexual.
A literatura
foi a válvula de escape que encontrou em tão árduas circunstâncias. Logo às
primeiras páginas de seu romance, deparamo-nos com um coronel triste e
solitário que, aposentado do serviço militar, ambiciona escrever um livro.
Frustrado com o fato de não ter consumado ao longo de sua carreira nenhum feito
glorioso, sua intenção é lograr êxito e reconhecimento com este projeto
literário.
Em sua
residência de Porto Belo, o coronel, além de suas atividades literárias,
cultiva uma bela horta e cria Elizeth, cadela mestiça de pastores belga e
alemão. Os serviços domésticos ficam a cargo de Lila, sua secretária, que
executa brilhantemente suas funções. Aos sábados, o coronel recebe a juventude
porto-belense, rapazes entre dezessete e vinte anos com quem o ancião
compartilha suas histórias de caserna, além de dividir com eles sua farta ceia.
Em seu livro
ele se nomeia Vitório de Lima e Silva, um militar cuja emoção da carreira
resume-se unicamente nas muitas transferências às quais se viu obrigado, saindo
de Santa Catarina para o Rio Grande do Sul, passando depois por Minas Gerais, Rio
Grande do Norte, Mato Grosso e Rio de Janeiro, até finalmente regressar a Santa
Catarina.
Vitório
casa-se com Elza Alves, que conhecera num baile de carnaval em Joinville. Os
dois têm um filho: Alírio, que desde criança revela vocação artística, o que
desgosta o coronel, que pretendia uma carreira mais consistente para o filho. O
romance de Harry Laus prossegue intercalando as memórias do livro do coronel
com as peculiaridades que envolvem o cotidiano do protagonista.
O livro pode
parecer maçante e insípido por vários momentos, a despeito de sua linguagem
poética e sensível, mas, quando finalmente descobrimos o próprio autor e que “papel”
ele desempenha no enredo, temos um gatilho recompensador que nos esclarece tudo
o que até então poderia parecer obscuro.
Os Papéis do Coronel tem seu valor artístico precedido pela realização
de uma necessidade psicológica de seu autor. É a história de um solitário que
sonha com outras possibilidades para sua existência, descontente com os
prazeres fugazes de sua vida atual que o levam a sentir-se ainda mais sozinho. É
finalmente/infelizmente uma história real.
Avaliação: ★★★
Daniel Coutinho
***
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