A estreia de
um autor é quase sempre problemática, principalmente quando se dá muito cedo.
Movido pelo desejo de publicar, o jovem escritor entrega, cheio de entusiasmo,
as primeiras páginas de sua lavra aos leitores, ansioso pela recepção de seu
trabalho. É bem verdade que a grande maioria acaba lamentando no futuro tais
afoitezas da juventude, renegando um passado de exagero e inverossimilhança,
seja rotulando seus primeiros escritos de “obra imatura”, ou simplesmente
deixando que o implacável tempo se encarregue de condená-los ao esquecimento.
Gustavo
Magnani tinha apenas vinte anos quando publicou Ovelha (2015), seu romance de estreia. Naturalmente inclinado à
ideia de chamar atenção para sua obra, escolheu o caminho da polêmica declarando
guerra aos evangélicos e seus respectivos líderes. Bela escolha, eu diria! E
para tornar tudo mais interessante, nada como escolher um tema que é verdadeiro
calcanhar de Aquiles para muitos cristãos: a homossexualidade.
Feitas estas
escolhas, parece-nos muito lógico que um pastor gay figure como protagonista da
obra. A premissa é definitivamente boa e sugestiva. Os problemas de Ovelha, contudo, vão muito além das
polêmicas para as quais o livro foi pensado.
Não bastasse
a dificuldade de relacionar religião e homossexualidade (trabalho melindroso!),
nosso afoito estreante desafiou-se a seguir por um caminho deveras escabroso: e
lá se foi ele pelas trilhas do romance fragmentado, rezando para Machado de
Assis aqui e ali. O resultado de tanta temeridade é este Ovelha, tão imaturo quanto seu autor quando o publicou.
A escrita do
romance é instável: às vezes prosaica, outras vezes melhor elaborada,
fazendo-nos pressentir um prosador disposto a investir em variadas tentativas:
a linguagem escrachada, o concretismo, a paráfrase bíblica, o diálogo trivial, pensamentos
reflexivos, etc. Toda essa instabilidade, aliada a descuidos de linguagem e
incoerências narrativas, tornam o processo de leitura no mínimo cansativo.
Os
personagens são antipáticos e desinteressantes. Talvez Bianca seja a única
exceção. O capítulo narrado por ela é um dos melhores do livro e a construção da
personagem como um todo é tolerável. Os demais, dispostos aleatoriamente ao
longo do livro, representam seus papéis sem maiores novidades. Mesmo a mãe do
protagonista e o pastor colombiano, que poderiam ter rendido muito mais na
história, passam pelo leitor sem grande impacto.
Avaliar o
enredo torna-se desnecessário. O autor meio que abdicou da construção de um ao optar
por, de forma fragmentada, compilar as memórias do pastor gay. Em Ovelha não há “uma” história. O que
temos é um apanhado de cenas que não obedecem a uma ordem cronológica, mas que
revelam os traumas de um homem que, influenciado por uma mãe fanática, torna-se
pastor e, por isso, obriga-se a esconder sua homossexualidade por toda a vida. Tempos
depois, aidético e debilitado, procura uma remissão no ato de transcrever seu
passado oculto.
Os problemas
de Ovelha resumem-se no seu exagero: a
maneira desrespeitosa como são tratados certos símbolos religiosos é
possivelmente o maior deles. No entanto, o autor consegue ainda assim dar
mostras de seu talento literário, principalmente na habilidade de criar métodos:
ao longo do livro, por exemplo, deparamo-nos com algumas sequências padronizadas
que obedecem a um modelo firmado anteriormente.
Longe de representar
uma leitura agradável para mim, Ovelha
não é contudo obra descartável e sem valor. É a estreia de um romancista que
seguramente terá novas oportunidades para expressar seu talento com madureza e
bom senso.
Avaliação: ★★
Daniel Coutinho
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