O principal fator que desperta interesse para a
leitura de Um Homem Gasto (1885) é a
circunstância do romance de Ferreira Leal ter sido o primeiro de nossas letras
a utilizar o tema da homossexualidade, ainda que este não figure como o assunto
principal do livro.
Aproveitando-se de sua experiência profissional
enquanto médico, o autor constrói um estudo naturalista centrado em Alberto de
Freitas, personagem principal da obra. O romance, de caráter epistolar, também
chama atenção por sua linguagem excessivamente erudita, o que causaria aversão
à crítica da época.
É notável a carência de episódios interessantes
em Um Homem Gasto que, assumindo uma
proposta consideravelmente analítica, acaba negligenciando no que se refere aos
aspectos romanescos da trama. O que se pretende no livro é uma espécie de
advertência, seja para prevenir os homens sobre os malefícios da corrupção
moral, seja para evitar a infelicidade da mulher diante de um matrimônio mal
contraído.
Luiza casa-se com Alberto, mesmo este sendo bem
mais velho que ela. Em cartas para a amiga Cecília, que logo se casaria com
Paulo, Luiza confidencia os pormenores da vida conjugal, descrevendo a rotina em
sua nova morada em Petrópolis. Uma crise de histeria em Luiza e uma súbita mudança
no comportamento de Alberto vêm abalar o casamento dos dois. O caso é que
Alberto é um homem sexualmente impotente, o que lhe acarreta um entorpecimento
moral irremediável e de graves consequências.
Em carta de Alberto para Paulo, ficamos sabendo
os motivos que tornaram o esposo de Luiza num “homem gasto”. Ele conta dos
abusos sofridos nos tempos de internato e da vida devassa que levara em Paris.
Os excessos de sua juventude promíscua anteciparam o envelhecimento de um homem
que ainda não contava quarenta anos. Essa condição de esgotamento impossibilita
Alberto de fazer a felicidade de sua esposa, tornando-o doente e levando-o ao
suicídio.
A homossexualidade em Um Homem Gasto aparece apenas sob a circunstância do confinamento
no internato religioso, onde os mestres seduziam seus alunos com variados
atrativos, como também os garotos maiores se aproveitavam dos colegas mais
novos. Nenhum caso específico é explorado com detença, mas Alberto chega a
citar um professor de português como o “principal de seus requestadores”.
Apesar de suas questionáveis qualidades
literárias, Um Homem Gasto merece
atenção por seu valor documental enquanto obra pioneira no tratamento de temas
tabus para sua época. É perfeitamente compreensível que o romance tenha caído
no esquecimento, mas nem por isso o texto de Ferreira Leal deixa de ser um
interessante objeto de estudo.
Avaliação: ★★
Daniel Coutinho
OBSERVAÇÃO: Um Homem Gasto ganhou nova edição em livro este ano pela editora “O Sexo da Palavra”. Pode ser adquirido pelo site (https://www.osexodapalavra.com/) ou na página do Facebook da editora (https://www.facebook.com/osxdapalavra/).
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