O Exorcista foi um dos meus piores
terrores de infância. Lembro que morria de medo quando via as chamadas do filme
na TV. Engraçado como o medo, de certa forma, nos atrai. Mesmo morrendo de
medo, tinha aquela vontadezinha de assistir, uma curiosidade teimosa. Ficava
ouvindo meus amigos comentando, prestava sempre atenção, imaginava as cenas na
minha cabeça e me assustava só de pensar. Um dos meninos tinha conseguido o
livro, numa edição bem antiga da Nova Cultural. Lembro que nenhum de nós teve
coragem de ler, nem mesmo eu que era o mais afeito a livros.
Finalmente,
mais de 10 anos depois, criei coragem suficiente para encarar o livro e o
filme. Tinha como uma questão de honra superar esse trauma de infância rsrsrs.
Mas, com toda sinceridade, foi mais difícil do que pensei.
É
bem provável que a inevitável associação da recente experiência com as
lembranças da infância tenha contribuído bastante com o medo que senti.
Provavelmente, se nunca tivesse sequer ouvido falar na trama, não teria sido
tão abalado pela experiência. Quando peguei o livro pra ler, parecia estar
voltando no tempo. Não tinha como não me sentir incomodado: um repentino pavor,
um tremor nas mãos, um gelo nos pés... Xi... Fazia tempo que não sentia isso
rsrsrs. Mesmo assim, não desisti daquilo a que me propusera e fui ficando menos
tenso com o decorrer da leitura, mas não isento daquela apreensão ao menor
ruído, a qualquer movimento inesperado. Ui rsrsrs! Estou rindo agora, mas, no
ato da leitura, tive medo mesmo.
Estou
me perguntando se preciso mesmo contar o enredo. Todo mundo já conhece essa
história, não? Mas para quem tiver esquecido, O Exorcista relata o caso de uma garotinha de doze anos, que é
possuída pelo demônio (ou não?). Blatty realiza um esforço admirável na
construção de uma trama que pende para duas soluções: uma natural e uma
sobrenatural. Sempre que Regan apresenta um novo sintoma de possessão, uma
explicação científica logo nos aparece como uma réplica. Há quem diga que esse
debate não tem solução no livro, mas somente uma pessoa inteiramente cética não
chegaria à conclusão de que Regan estava mesmo endemoninhada. Não quero abrir
parêntese para falar de religião, mas faço questão de esclarecer que meu
entendimento da obra se fundamenta na fé que professo.
O Exorcista, mais do que um livro
de terror, é uma obra que pretende discutir o que é “fé”. Chris, a mãe de
Regan, é uma atriz ateia. Quando percebe que a Ciência não tem recursos para
“curar” sua filha, sendo inclusive aconselhada pelos próprios médicos a buscar
uma solução espiritual, passa a acreditar no sobrenatural. Ainda que não admita
a existência de Deus, alimenta sua fé numa força invisível e misteriosa aos
homens. Por outro lado, o autor nos apresenta Damien Karras, um padre cuja fé
está abalada. Procurado por Chris, o padre Karras, que também é psiquiatra,
consente em examinar Regan. Diferente de Chris, o padre não acredita na
hipótese de possessão. Suas explicações são sempre amparadas pela lógica
natural da Ciência. O próprio “exorcismo” aplicado a Regan é realizado mais
como medida científica que espiritual. Daí, não poderia deixar de destacar a
presença do fator Ciência no livro.
O
autor, mesmo baseando-se num caso real, faz uma pesquisa científica
impressionante. Algumas passagens do romance são verdadeiras aulas de
psiquiatria, focando sobretudo em distúrbios com características
extrassensoriais. É perceptível também, claro, a pesquisa religiosa,
especialmente no que diz respeito a satanismo, demonologia e exorcismo. Todas
essas pesquisas dão respaldo para que Blatty persista no combate entre a Fé e a
Ciência, na tenuidade entre o natural e o sobrenatural. Nem preciso dizer que a
trama é muito bem realizada. Quem viu o filme deve lembrar-se da riqueza de
conteúdo do enredo. Mesmo sendo muito fiel ao livro, o filme apresenta algumas
variantes que, ao invés de prejudicar a trama, aperfeiçoam-na quase sempre. E
agora podemos nos concentrar nos problemas do livro.
Logo
que comecei a leitura d’O Exorcista,
percebi que faltava ao autor técnica literária. Não parecia que lia um romance,
mas um roteiro de cinema, o que me leva a crer que, desde o princípio, o
objetivo de Blatty era levar O Exorcista
às telas. A obra traz diálogos extensos e muitas vezes maçantes, especialmente
na primeira metade. Em várias passagens, reconhecemos falas que poderiam ter
sido suprimidas, por não trazerem nenhuma relevância à obra. Algumas conversas
impacientam o leitor, principalmente a partir do momento em que a narrativa
assume uma roupagem de romance policial. Isso ocorre após a morte de um
personagem secundário, o que abre espaço para uma fervorosa investigação por
parte do detetive Kinderman, que me chateou bastante com suas inacabáveis
perguntas. Não tenho experiência com literatura policial, mas se nela encontrar
personagens impertinentes como esse Kinderman, vou passar longe do gênero
rsrsrs.
Não
poderia deixar de admitir que, sim, à medida que o romance se desenrola, a
técnica literária da qual senti falta nos capítulos iniciais, vai surgindo
paulatinamente e ganhando força. É bastante perceptível o crescimento ou
evolução da obra do início ao fim. Nem preciso dizer que o desfecho do romance
é de tirar o fôlego. Contudo, não vi a grande obra-prima que tanta gente
falava. Na verdade, penso que, se não fossem os temas delicados que aborda com
frieza (as obscenidades, as profanações, além de certos exageros com relação à
possessão de Regan), este livro não teria causado tanto alvoroço. Mas vejam
bem! Estou falando do livro. O filme, que condensa muitos excessos da obra
original, principalmente no tocante à sintetização dos diálogos, é realmente
fabuloso, tanto que revolucionou a indústria do Cinema de horror.
A
escrita apelativa de Blatty é revoltante. Fico imaginando a reação de um
cristão rsrsrs... O excesso de cenas provocantes, entremeada de palavrões e
gestos obscenos, torna a leitura uma experiência... digamos... repugnante. As
descrições das profanações, aparecidas na igreja próxima à casa de Chris,
confirmam a intenção do autor de chocar o leitor. Enfim, são tantas baixezas,
censuradas até pelo filme, que acabam não tendo outra função que não a de
indignar. O aproveitamento das questões relativas à fé e ao mal que existe em
cada um de nós acaba compensando e até justificando a razão de ler este livro.
Pronto.
Penso que já falei tudo o que tinha planejado, faltando apenas comentar a
última frase, que tem intrigado tanta gente. Se você não quiser saber da frase,
pare por aqui e tchauzinho! Quem continua lendo este post, ou já leu o livro ou não se importa que eu revele a frase,
que é: “No ato de esquecer, eles tentavam se lembrar.” Assim como deve ter
acontecido com todo mundo que chegou ao fim do livro, julguei estranha essa
frase que aparece após a trivial conversa entre o padre Dyer e o detetive
Kinderman. Mas pensando um pouco, observando o rumo que tomara a conversa,
totalmente distante do recente drama, imagino que o autor tencionava revelar
que embora os personagens parecessem “esquecidos” dos recentes acontecimentos,
eles não conseguiam tirá-los do pensamento. Se você entendeu de outra forma,
compartilhe nos comentários! Enfim, acabou. Finalmente virei essa assustadora
página!
Avaliação: ★★★
Daniel Coutinho
***
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No ato de esquecer, eles tentavam se lembrar, nesta frase podemos ver que o filme tambem mostra isso mais de forma visual, enquanto o padre Dyer e o detetive kinderman estão conversando sobre cinema, mostra eles atravessando a rua e ao mesmo tempo vemos a janela da regan, essa frase se direciona a nos mesmos
ResponderExcluirSendo assim, o sentido deve estar mesmo ligado à "recordação" de toda a experiência do exorcismo de Regan.
ExcluirA frase tem um quê de psicanálise pura. Temos nela um clássico exemplo de cura pela fala. Nas psicoterapias convencionais, o paciente verbalizar à exaustão nossas recordações mais trágicas para se chegar a um ponto em que viva melhor consigo e com os outros. Portanto, para exprimir as palavras descarregadoras de tensões, é preciso se lembrar delas.
ResponderExcluirInteressante a sua explicação. Obrigado por compartilhar. Abraço ;)
ExcluirCorrigindo: ... à exaustão suas recordações...
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