Depois
de uma onda de livros de horror, precisava descansar o cérebro de tanta tensão
rsrsrs. Não poderia ter feito escolha mais acertada ao pegar Depois do Verão. Penso que em outras
circunstâncias, teria desdenhado o livro, o que me leva a pensar no quanto pesa
o fator circunstancial na hora de avaliar uma obra. Qualquer dia, tendo tempo,
faço uma postagem especialmente para explicar os critérios que utilizo, como
também definir o perfil dos livros que recebem de uma a cinco estrelas.
Depois do Verão
(1948), do norte-americano Robert Nathan, é um dos romances mais
despretensiosos que já li. Provavelmente tenha sido isso mesmo o que mais me
agradou nele. Sendo aparentemente uma história trivial, concentra uma beleza
peculiar, típica do autor, e que a crítica costuma chamar de “Nathan’s touch”
ou “toque de Nathan”. A obra dele ganhou fama no Brasil graças à tradução que
Erico Verissimo fez do romance O Retrato
de Jennie. O “toque de Nathan” é... como posso dizer... encantador! Mas a
percepção desse encanto dependerá sempre do grau de sensibilidade do leitor.
Diante de um amante da poesia, é bem provável que a obra de Nathan seja um
deleite, pois a mesma se caracteriza pela delicadeza de sua abstração. Como não
sou muito afeito à poesia, não me deleitei tanto com a prosa poética deste
livro; não obstante, aproveitei o suficiente, de maneira que, para mim, Depois do Verão foi uma espécie de
terapia.
A
trama não tem nada demais além de certa excentricidade. A força do livro está
no minimalismo do autor que, de maneira simples, constrói uma narrativa que
preza pela simplicidade e pureza dos sentimentos. Impossível não aludir ao
Romantismo. Nathan foi, sem dúvida, um neorromântico. A singeleza e
graciosidade de seu estilo, como também uma tendência pessimista acompanhada de
descrições melancólicas, vêm confirmar tal observação. A premissa do livro
parece ser a despreocupação dos jovens com o fatalismo do mundo real. O
narrador-personagem é um verdadeiro pensador da fragilidade humana e
efemeridade da vida. Seu nome não é revelado, sugerindo talvez ser o próprio
Nathan que, assim como ele, gostava de velejar em Cape Cod.
Nosso
narrador anônimo é um solteirão de vida simples e tranquila. Precisando de uma
secretária para cuidar dos serviços domésticos, ele decide consultar seu amigo
Manuel Pereira e Josie, sua esposa. O casal Pereira receberia naqueles dias uma
órfã, prima de Josie; mas por ter apenas 14 anos, Joana é logo descartada para
o trabalho. Quando o narrador repentinamente adoece, Manuel acaba mandando Joana
para cuidar do amigo. A garota, em sua extrema simplicidade, mostra-se uma
companhia agradável e bastante responsável no cumprimento das tarefas do lar. A
seu amo, porém, não passam despercebidas as misteriosas circunstâncias em que
apareceu aquela parenta ignorada dos Pereira, como também a reação positiva da
menina estando em sua casa, na companhia sua e de Penny, uma adorável
cachorrinha. Joana não aparenta ter estima pelos parentes, e estes tampouco por
ela.
Por
intermédio de seu amo, Joana conhece Jot, um garoto da sua idade. E aqui não
poderia deixar de comentar a puerilidade do elemento amor na obra de Nathan.
Não se reconhece nela a sensualidade e lascívia do amor carnal. O amor se
manifesta como um elemento assexuado. Que não se confunda, contudo, puerilidade
com ingenuidade. O que ocorre em Depois
do Verão é uma manifestação contrária ao fatalismo do mundo, a partir de
uma busca desenfreada pelo “belo”. É como diz o narrador: “— Talvez seja porque
há tanta dor neste mundo que eu não posso suportar a perda da menor parcela de
beleza.” (pág. 162). Nathan mostra-se um estilista da palavra, interessado tão
somente em expressar suas impressões do mundo. Quando o narrador reconhece a
felicidade despreocupada que sentem Joana e Jot, lamenta saber, mediante suas
próprias experiências, que tudo aquilo seria passageiro, uma emoção que
provavelmente não duraria mais que um verão.
De
fato, quando Joana, sem esperar, é assolada por esse fatalismo tão combatido
por Nathan, não encontra forças para seguir em frente. Sua mente maquinalmente
realiza um retrocesso e Joana começa a voltar no tempo, dia após dia, sempre no
sentido inverso, até chegar finalmente ao momento de encarar seu passado, antes
de chegar à casa dos Pereira. Sim, deixei aqui uma lacuna em relação à causa
desse sofrimento, do qual Joana foge com a estratégia involuntária de que já
falei; pois não quero dar spoiler! Mas de antemão, previno aos leitores que se
preparem às várias lacunas deixadas por Nathan. Depois do Verão é daqueles livros que não encerram em si mesmos. O
leitor chegará ao desfecho desejando saber uma porção de coisas, a começar pelo
propósito desse livro. Parece uma história sem finalidade alguma ou mesmo um
fragmento de uma obra maior. Você termina o livro e não acredita que acabou.
Uma
curiosidade engraçada é que Robert Nathan tinha uma superstição de que somente
seus títulos com três palavras fariam sucesso, talvez por sua fama ter
despontado com One More Spring.
Quando traduzido, Long After Summer
deveria chamar-se “Muito Depois do Verão”, mas os editores brasileiros optaram
por seguir a superstição do autor ao escolher o título Depois do Verão. Como disse, a leitura foi mesmo uma terapia. Mesmo
tendo gostado, confesso que fiquei bastante intrigado com as lacunas deixadas por
Nathan. O desfecho da história também não me pareceu muito acertado, beirando a
incoerência. No mais, foi um livrinho bonitinho, sensível e poético, mas
bastante melancólico também.
Avaliação: ★★★
Daniel Coutinho
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