Penúltimo
dos romances de Maria José Dupré, Angélica
(1955) é mais uma narrativa excelente da autora de Éramos Seis. Fiquei bastante impressionado com Vila Soledade, lido em 2021, e desde então aguardava ansiosamente
pelos livros posteriores. Angélica
não supera o último romance lido, mas entrega enredo envolvente, ritmo
instigante e um drama familiar que flerta com o suspense psicológico.
O livro é
sobre um casal de professores, Constança e Norberto, que encontra dificuldades
para ter um filho. Constança, que já não é muito jovem, após uma década de
tentativas, finalmente fica grávida, mas sua filhinha Liliana acaba falecendo
pouco depois de completar o primeiro ano.
Angélica é a
filha da cozinheira de uma família rica, cujos patrões também contratam
Constança para dar aulas particulares a um garoto. Como Constança precisava de
alguém para lhe auxiliar no serviço doméstico, acaba convidando Angélica, pois
esta não possuía trabalho fixo. A menina, de apenas quatorze anos, chama logo
atenção por sua beleza e boas maneiras.
Angélica, a
mãe e o padrasto são europeus fugidos da guerra. Constança, penalizada com os
relatos da adolescente, cria uma afeição imediata pela garota. O mesmo se dá
com Norberto e, em pouco tempo, Angélica ganha a confiança do casal. Acaba
mesmo contando sobre a agressividade do padrasto e de suas más intenções em
relação a ela. Uma série de circunstâncias do passado levam a crer que a
cozinheira não é a verdadeira mãe da garota. Diante disso, os professores
decidem procurar o Juizado de Menores.
Como os
depoimentos da “mãe” de Angélica não têm consistência e a mesma não possui nenhum
documento comprobatório, o juiz concede a Norberto a tutoria provisória da
jovem. O casal de professores fica bastante entusiasmado com a ideia de uma
nova filha, e pretende, assim que possível, entrar com um pedido de adoção.
Angélica é liberada imediatamente de suas funções domésticas; seu único dever
agora é estudar, para dar orgulho a seus futuros pais.
A partir
desse ponto do enredo, porém, a autora nos dá ocasionalmente possíveis pistas
sobre a verdadeira natureza de Angélica, que é um tipo bastante controverso.
Constança é a primeira a notar o quão distintas podem ser as reações e atitudes
da garota em diferentes momentos. A notável preferência dela por Norberto, que
é sempre mais condescendente, também não passa despercebida à professora que,
com o passar do tempo, mantém-se cada vez mais alerta em relação à adolescente.
Esse momento
dúbio da narrativa é o mais impressionante do livro. A autora, com bastante
sutileza, nunca deixa totalmente claro se Angélica esconde segredos licenciosos
ou se Constança, influenciada pelo ciúme, fantasia suspeitas exageradas e
descabidas. A professora, de fato, com sua saúde (física e mental) um tanto
abalada, não parece uma narradora confiável. E como o que temos é o seu ponto
de vista, desconfiamos de suas impressões, tal como ocorre com Bentinho em Dom Casmurro.
Mesmo tendo
uma construção interessantíssima, a escrita de Angélica deixa a desejar em várias passagens, sugerindo um texto
mais apressado, que assim mesmo está longe de ser ruim. Também senti falta de
uma participação maior dos personagens secundários. A trama está sempre muito
centrada no triângulo Constança-Norberto-Angélica.
Para quem já
conhece o trabalho de Maria José Dupré, Angélica
poderá ser uma ótima surpresa, por revelar outras facetas do talento da
escritora. O livro também pode funcionar como uma excelente porta de entrada
para quem nunca leu nada da autora de Éramos
Seis. Angélica é, dessa forma, um
livro para grandes públicos. Juntamente com Vila Soledade, merece urgentemente ganhar uma nova edição.
Avaliação: ★★★★
Daniel Coutinho
***
Instagram:
@autordanielcoutinho
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