Estou
inteiramente reconciliado com a prosa de Maria José Dupré. Todos por aqui sabem
do meu projeto pessoal de ler sua obra completa, e que tive algumas decepções
nessa trajetória. A leitura de Os Rodriguez, em 2019, reanimou-me o interesse pela obra da escritora
paulista. Vila Soledade (1953), o
livro deste ano, veio confirmar minha admiração pela autora de Éramos Seis.
Vila Soledade é sem dúvida uma de suas obras com melhor acabamento. A meu ver, seu
problema mais grave concentra-se nos capítulos iniciais, quando a autora
despeja para o leitor vasto leque de personagens que não serão essenciais à
trama principal. De fato, os capítulos sobre os avós da protagonista podem soar
meio fastidiosos e levar muitos leitores ao abandono. Mas felizmente não se
trata de um obstáculo demorado ou difícil de ultrapassar e, na sequência, o
livro segue num ritmo excelente.
Ana é uma
mulher madura, pertencente à alta sociedade, que vive um casamento de
aparências. Mesmo que ela tenha casado por amor, seu marido Estêvão nunca a
amou verdadeiramente, sendo desses homens que veem o matrimônio mais sob a
ótica das convenções sociais.
Frustrada
enquanto esposa, Ana também não consegue ser uma boa mãe, tendo dificuldade de
ganhar o carinho e a confiança dos filhos. Estes acabam ficando mais próximos
de Lisa, a governanta austríaca que cuidara deles desde pequenos. Vera e
Rodrigo também manifestam mais interesse pelo pai, considerando sempre mais a
opinião dele em todos os assuntos.
Para
preencher o vazio de sua vida, Ana dedica-se ao piano, uma de suas paixões. Ela
também é uma leitora voraz e está sempre à procura de novos livros. O apoio da
irmã mais velha, a conservadora Albertina, também é um consolo em sua
existência. Mas a amizade dos moradores e frequentadores da “Vila Soledade”, o
sítio da cunhada, será culminante para o desenvolvimento da personagem.
É na “Vila”
que Ana conhece Otávio, um advogado desquitado que, desde o princípio,
manifesta crescente interesse por ela. A partir daí, Ana vive o dilema da
dúvida entre seguir suas próprias inclinações, na tentativa de descobrir a
felicidade; ou preservar, antes de tudo, a sua imagem de mulher correta perante
a sociedade, principalmente aos olhos de Albertina, sua única irmã, e que jamais
concordaria com o divórcio.
Acompanhamos
as dúvidas e as cogitações de Ana ao longo de boa parte do livro. Em todas as
visitas à “Vila”, novas situações fazem-na repensar sua situação. Em vários
momentos ela tenta evitar as visitas ao sítio da cunhada Soledade, um raro exemplo
de mulher feliz no casamento, mas a insatisfação de sua vida pessoal a impelem
para uma tentativa arriscada de redescobrir o amor.
Vila Soledade é daqueles livros que facilmente geram empatia no leitor, que sofre
junto com a protagonista em toda sua angustiante trajetória. Ana é tão humana,
tão cheia de defeitos, mas ao mesmo tempo tão desejosa por uma mudança, tão
esperançosa por descobrir a felicidade, que sorrimos e choramos com ela, quase
querendo abraçá-la em alguns momentos. Era reconfortante ver que havia uma
personagem ali, a boa tia Hortênsia, que lhe inspirava e oferecia compreensão.
Encerrei meu
ano de leituras com uma das melhores obras de Maria José Dupré. Tem sido uma
experiência interessantíssima acompanhar e constatar a evolução de escrita da
autora ao longo dos anos. De sua ficção adulta, restam ainda dois romances por
ler. Espero que, como este Vila Soledade,
tragam boas surpresas nos próximos anos.
Avaliação: ★★★★
Daniel Coutinho
***
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