sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Vila Soledade, de Maria José Dupré - RESENHA #172

Estou inteiramente reconciliado com a prosa de Maria José Dupré. Todos por aqui sabem do meu projeto pessoal de ler sua obra completa, e que tive algumas decepções nessa trajetória. A leitura de Os Rodriguez, em 2019, reanimou-me o interesse pela obra da escritora paulista. Vila Soledade (1953), o livro deste ano, veio confirmar minha admiração pela autora de Éramos Seis.

Vila Soledade é sem dúvida uma de suas obras com melhor acabamento. A meu ver, seu problema mais grave concentra-se nos capítulos iniciais, quando a autora despeja para o leitor vasto leque de personagens que não serão essenciais à trama principal. De fato, os capítulos sobre os avós da protagonista podem soar meio fastidiosos e levar muitos leitores ao abandono. Mas felizmente não se trata de um obstáculo demorado ou difícil de ultrapassar e, na sequência, o livro segue num ritmo excelente.

Ana é uma mulher madura, pertencente à alta sociedade, que vive um casamento de aparências. Mesmo que ela tenha casado por amor, seu marido Estêvão nunca a amou verdadeiramente, sendo desses homens que veem o matrimônio mais sob a ótica das convenções sociais.

Frustrada enquanto esposa, Ana também não consegue ser uma boa mãe, tendo dificuldade de ganhar o carinho e a confiança dos filhos. Estes acabam ficando mais próximos de Lisa, a governanta austríaca que cuidara deles desde pequenos. Vera e Rodrigo também manifestam mais interesse pelo pai, considerando sempre mais a opinião dele em todos os assuntos.

Para preencher o vazio de sua vida, Ana dedica-se ao piano, uma de suas paixões. Ela também é uma leitora voraz e está sempre à procura de novos livros. O apoio da irmã mais velha, a conservadora Albertina, também é um consolo em sua existência. Mas a amizade dos moradores e frequentadores da “Vila Soledade”, o sítio da cunhada, será culminante para o desenvolvimento da personagem.

É na “Vila” que Ana conhece Otávio, um advogado desquitado que, desde o princípio, manifesta crescente interesse por ela. A partir daí, Ana vive o dilema da dúvida entre seguir suas próprias inclinações, na tentativa de descobrir a felicidade; ou preservar, antes de tudo, a sua imagem de mulher correta perante a sociedade, principalmente aos olhos de Albertina, sua única irmã, e que jamais concordaria com o divórcio.

Acompanhamos as dúvidas e as cogitações de Ana ao longo de boa parte do livro. Em todas as visitas à “Vila”, novas situações fazem-na repensar sua situação. Em vários momentos ela tenta evitar as visitas ao sítio da cunhada Soledade, um raro exemplo de mulher feliz no casamento, mas a insatisfação de sua vida pessoal a impelem para uma tentativa arriscada de redescobrir o amor.

Vila Soledade é daqueles livros que facilmente geram empatia no leitor, que sofre junto com a protagonista em toda sua angustiante trajetória. Ana é tão humana, tão cheia de defeitos, mas ao mesmo tempo tão desejosa por uma mudança, tão esperançosa por descobrir a felicidade, que sorrimos e choramos com ela, quase querendo abraçá-la em alguns momentos. Era reconfortante ver que havia uma personagem ali, a boa tia Hortênsia, que lhe inspirava e oferecia compreensão.

Encerrei meu ano de leituras com uma das melhores obras de Maria José Dupré. Tem sido uma experiência interessantíssima acompanhar e constatar a evolução de escrita da autora ao longo dos anos. De sua ficção adulta, restam ainda dois romances por ler. Espero que, como este Vila Soledade, tragam boas surpresas nos próximos anos.

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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