Todo leitor
que se preze ampara-se numa rede de autores infalíveis, cujos livros jamais
podem decepcionar. Bernardo Guimarães, para mim, encaixa-se perfeitamente nesse
perfil. Mesmo num livro menos inspirado, como é este Maurício, o autor dá conta de nos deixar sob o efeito fascinante de
seus sortilégios literários.
Maurício ou Os Paulistas em S. João del-Rei (1877) é
o romance mais extenso do autor mineiro. Sente-se nele, de fato, uma pena mais
arrastada e sem a mínima pressa no relato de seus episódios. Mas Bernardo
Guimarães nem se quisesse poderia ser desinteressante, para suplício eterno de
homens como Alcântara Machado, que o subestimava.
O livro pretendia
ser o primeiro de uma série de romances históricos ambientados em Minas Gerais,
mas o bom autor d’A Escrava Isaura,
que não chegaria aos sessenta, não pôde ir além do segundo título, este mesmo
ficando inacabado e concluído anos mais tarde por sua viúva.
Maurício é
um jovem paulista que fora criado por Diogo Mendes, ilustre português que se
tornaria capitão-mor no povoado que viria a ser, anos mais tarde, S. João
del-Rei. Tendo recebido educação distinta, o moço torna-se o homem de confiança
de seu amo, ficando responsável pela edificação da nova moradia em território
mineiro, como também por mediar a relação entre os emboabas (portugueses) e os
paulistas.
A intimidade
com a família do capitão-mor propicia a inevitável paixão entre Maurício e
Leonor, a filha de Diogo Mendes. Os dois jovens idealizam um sonho de amor, mas
veem dificuldades na diferença social e, posteriormente, na chegada de
Fernando, primo de Leonor que deseja casar-se com ela.
Fernando é
aqui o vilão inescrupuloso, tipo indispensável aos romances de Bernardo Guimarães.
Com seu poder de persuasão, ilude o tio e assume o controle do povoado,
incentivando a discórdia entre paulistas e emboabas. Maurício acaba sendo seu
alvo principal, pois Fernando não demora a perceber as preferências da prima
sobre o irmão de criação.
A partir
desse esboço geral, o autor divide sua obra em duas partes. A primeira (A Mina
Misteriosa) concentra-se na descoberta de um novo Eldorado pelo índio Irabussú,
o que desperta a cobiça dos portugueses, embora o velho selvagem mantenha seu
tesouro no mais inviolável segredo. A segunda parte (A Insurreição), menos
interessante que a primeira, trata de como os ânimos entre paulistas e emboabas
se exaltaram ao ponto de se formar uma conflagração.
A proposta
de Maurício é excelente e, a meu ver,
o mesmo seria tão bom quanto O Ermitão do Muquém, se tivesse a extensão deste. O romance lembrou-me aquelas novelas
esticadas da TV, cheias de capítulos que reforçam acontecimentos passados.
Principalmente na segunda metade, a narrativa avança muito lentamente, o que
pode impacientar um pouco o leitor.
Outro
aspecto negativo é a qualidade da escrita, e talvez Maurício seja o romance mais desleixado do autor nesse sentido.
Embora a prosa seja excelente, é muito perceptível que Bernardo Guimarães
negligenciou a revisão do texto final.
Por outro
lado, o dilema de consciência criado pelo autor para seu protagonista é digno
dos grandes romances, e é impossível não nos compadecermos de Maurício,
dividido entre o amor e o dever. Confesso que os desdobramentos desse dilema me
surpreenderam bastante e quase me fizeram partir imediatamente para o segundo
livro, que seguramente será lido ainda este ano.
No mais,
entendam que Maurício é puro
entretenimento, e dos bons! Mesmo com altos e baixos, pude aproveitar e me
divertir do primeiro ao último capítulo, e a experiência foi maravilhosa,
funcionando perfeitamente em dias tão atarefados como têm sido os últimos rs.
Avaliação: ★★★★
Daniel Coutinho
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