A Coleção
Saraiva já me apresentou um bom número de escritores, brasileiros e
estrangeiros, que eu desconhecia e que são simplesmente fabulosos. O alemão
Hermann Sudermann (1857-1928) acaba de entrar para o rol desses grandes
prosadores, verdadeiros achados que precisam ser mais conhecidos pelos leitores
de hoje.
O Moinho Silencioso é uma belíssima novela, publicada com outra,
intitulada O Desejo, num único volume
em 1888. Não entendo por que os editores da Saraiva descartaram a segunda
novela do livro. É possível que tenha sido por redução de gastos. O caso é que
fiquei bastante curioso para ler outras obras de Hermann Sudermann, mas
infelizmente não pude encontrar mais nada dele em português.
O autor de O Moinho Silencioso, embora com seu
toque realista, é notadamente mais influenciado pela escola romântica. Embora
sua escrita em nada se assemelhe, o teor de sua narrativa lembrou-me as novelas
passionais de Camilo Castelo Branco. Há um sentimentalismo impetuoso nas
páginas d’O Moinho, que exalam
paixões arrebatadas e irreprimíveis.
Tal
abordagem pode até desinteressar leitores menos afeitos aos novelões
sentimentais, mas eu já os previno de que Hermann Sudermann possui um
diferencial. A princípio, gostaria de destacar a tradução da talentosíssima
Nair Lacerda, que conseguiu exprimir em português o magnetismo hipnotizante do
original. E não pensem que exagero ao me expressar assim.
A novela de
Sudermann é de uma plasticidade encantadora de que poucos escritores são
dotados. O texto é um adorno vivo, que vai se moldando e se embelezando diante
dos olhos do leitor, de modo que O Moinho
Silencioso vale muito mais pela escrita que pelo enredo. O narrador de
Sudermann é como uma voz suave e incansável de ouvir, obrigando-nos a uma
leitura pausada e oral. Sem exageros, o livro consegue ser belo da primeira à última
linha.
O enredo é basicamente
sobre dois irmãos, herdeiros de um moinho. Martin, o mais velho, após provocar
involuntariamente a morte de outro irmão, Fritz, dedica-se calorosamente a
João, o caçula da família. Após a morte dos pais, os dois passam a viver mais
unidos do que nunca, estabelecendo a promessa de que não permitiriam que uma
terceira pessoa os separasse.
Ao atingir a
maioridade, porém, João é convocado para o serviço militar. A solidão torna-se
insuportável para Martin, que acaba se casando com Gertrudes que, por sua vez,
encontra no casamento a possibilidade de auxiliar seu pai e seus irmãos
menores.
Gertrudes é
uma mulher ainda muito jovem e que não pôde libertar-se inteiramente das
fantasias da infância. De temperamento alegre e romântico, ela em nada se
parece com o sério e grave Martin, que a trata mais como irmã que como esposa. No
entanto, o retorno de João, já livre das milícias, vem suprir a carência de
Gertrudes por compartilhar seus jogos com um companheiro de diversões.
Martin não
vê mais que inocência na amizade entre os dois jovens, que o tratam sempre com
muito respeito, atendendo ainda à exigência de não penetrarem no quarto secreto
que Martin conserva vedado a todos os olhares. Mas Gertrudes e João, pouco a
pouco, vão ficando mais íntimos, estreitando os laços afetivos que os unem,
descobrindo sentimentos que ambos desconheciam e que os assustam em virtude das
circunstâncias.
A delicadeza
desse enredo, repleto de sentimentalismo, aliada a uma escrita cuidadosa,
artística e poética, torna a experiência de leitura no mínimo impressionante. A
parte final da novela é que peca por suas tintas mais fortes; é quando nos
deparamos com o exagero típico dos românticos e com cenas evidentemente
teatrais e menos convincentes.
Não entendo
como o público brasileiro tenha ignorado um prosador do quilate de Hermann
Sudermann. Concluí a leitura d’O Moinho
Silencioso ainda sedento de sua escrita sedutora e reconfortante. Chegando
à última página, à última frase, a sensação final é de contentamento por poder
apreciar uma autêntica obra de arte.
Avaliação: ★★★★
Daniel Coutinho
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