Após
empreender a leitura dos oito livros da série “Anne”, restava-me ainda conhecer
aquele que é considerado por muitos o nono livro: O Retorno dos Blythes. Como era meu propósito ler toda a série em
2021, tratei de executar a leitura antes que o ano acabasse. Quanto aos dois
volumes das Crônicas de Avonlea, como
não são exatamente parte da saga de nossa ruivinha, preferi deixá-los para
outro momento, pois já basta de Montgomery por este ano rs!
O Retorno dos Blythes também poderia ter sido lido em momento mais
oportuno, pois, assim como nas Crônicas
de Avonlea, a família Blythe não é o objeto central. Este suposto nono
livro é na verdade um compilado dos manuscritos do fim da vida de Montgomery.
Nele estão reunidos quatorze contos, dezenas de poemas, além de alguns textos
menores que contextualizam o conjunto.
O livro foi
publicado pela primeira vez em 1974, numa versão resumida intitulada A Estrada para o Ontem. A versão
completa da obra só seria organizada e publicada por Benjamin Lefebvre em 2009.
Quase todos os contos compilados (interesse maior desta resenha) constituem a
produção ficcional da própria Anne, que costumava ler e comentar suas histórias
com toda a família reunida em volta da lareira de Ingleside.
Os contos
deste livro podem ser divididos em duas categorias: aqueles cujos temas são inovadores
na produção de Montgomery; e aqueles que mais parecem um filminho de “sessão da
tarde”, ao modelo de várias histórias avulsas que acompanhamos ao longo da
série “Anne”. De modo geral, o conjunto é bastante agradável, salvo duas
histórias que me pareceram absurdamente desnecessárias. Tentarei fazer
comentários sucintos sobre todos os contos a seguir.
A começar
pelos contos de temas mais diversificados, e que me pareceram mais interessantes,
temos “Alguns tolos e um santo” abrindo o conjunto e surpreendendo por se
revelar um conto de terror. Curtis Burns é o novo ministro da congregação metodista
de Mowbray Narrows, mas acaba chocando os membros de sua igreja ao anunciar que
se hospedaria na residência de Alec Comprido, um lugar que todos acreditam ser mal-assombrado.
O conto é interessante e tem seus momentos realmente assustadores, mas
pareceu-me prolixo em diversas passagens, sendo a narrativa mais longa do livro.
“Retribuição”
e “A reconciliação” são histórias parecidas. Em ambos temos personagens
femininas decididas a acertar contas com o passado, mas, quando do momento culminante
de suas performances, as situações terminam de forma inesperada. O efeito final
é que não é o mesmo: há ironia no primeiro caso e, no outro, um delicioso senso
de humor.
“A
imaginação nos faz de tolo”, um dos contos mais peculiares da coletânea, traz
um enredo que flerta com o fantástico. A jovem Esme está à beira do casamento,
mas seu coração está cheio de dúvidas, graças a um insólito episódio do passado
envolvendo a excêntrica tia Hester. “Um sonho se realiza” também tem seus
toques fantasiosos ao relatar uma situação que sugere uma dúvida constante no
leitor sobre ser ou não real.
“Cuidado, irmão”
poderia se encaixar no grupo das histórias mais bobinhas do livro, mas parte de
uma premissa tão inusitada, que destoaria das demais. Timothy acredita que seu
irmão Amos estragaria sua vida ao contrair segundas núpcias com Alma Winkworth,
mas, ao tentar impedir a aproximação do provável casal, acabará sendo vítima de
seu próprio plano.
Se este
livro possui um conto impecável e que pode ser considerado a joia do conjunto,
este certamente é “Uma mulher comum”. A leitura desta narrativa por si só já
justifica o interesse pelo volume como um todo. Em “Uma mulher comum”,
Montgomery está no seu melhor. A história de Ursula Anderson surpreende por
vários motivos: pela construção, pela ambientação, pela alternância nos pontos
de vista, pela enredo revelador e, sobretudo, pelo desfecho inesperado. Um
conto primoroso, sem dúvida!
Passando
agora ao conjunto das histórias mais previsíveis e menos trabalhadas, temos
aquelas situações clássicas dos contos infantis: a adoção de uma criança órfã, o
pai que reaparece, crianças que ganham um novo lar, o garotinho rejeitado que é
acolhido por um parente cuja existência ele desconhecia, etc. Esses são os
temas de “Uma tarde com Mr. Jenkins”, “O faz de conta dos gêmeos”, “A criança
que foi privada da vida” e “Uma pausa nas histórias de Anne Blythe”.
Não poderiam
faltar também os romances açucarados, com direito a amantes que se reencontram
depois de anos separados. São os casos de “A tola missão”, “A estrada para o
ontem” e o péssimo “Aí vem a noiva”, que, ao lado de “Uma pausa nas histórias
de Anne Blythe”, disputa o título de pior conto do volume.
A leitura
destes contos foi para mim uma espécie de resumo de tudo o que representou a
série “Anne”: uma empreitada cheia de altos e baixos, de bons e maus momentos. Mas
a experiência, como um todo, foi sem dúvida muito válida, e ficará marcada em
minha trajetória de leitor. É bastante satisfatório quando chegamos ao final de
um longo percurso; mais ainda quando tivemos uma Anne Shirley nos acompanhando
ao longo dele.
Avaliação: ★★★
Daniel Coutinho
***
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