segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Vale do Arco-Íris (Rainbow Valley), de Lucy Maud Montgomery - RESENHA #167

O sétimo livro da série “Anne” tem uma proposta diferenciada de seus antecessores. A princípio imaginei que, tal como em Anne de Ingleside, os filhos de Anne e Gilbert seriam os protagonistas de Vale do Arco-Íris (1919), mas o romance se concentra em novos personagens: o reverendo John Meredith e seus quatro filhos.

Mr. Meredith, embora seja o melhor pregador que já passou por Glen St. Mary, é um homem distraído e, por consequência, um pai negligente. Com a morte de sua esposa, os quatro filhos (Jerry, Faith, Carl e Una) ficaram sob a supervisão de tia Martha, uma senhora já idosa e pouco hábil no tratamento com crianças.

Jerry, o mais velho dos filhos do pastor, é um menino corajoso e inteligente, representando o que Jem Blythe seria para a família de Ingleside. Faith é uma garota adorável e vivaz, cheia do entusiasmo que ressuma de sua personalidade forte. Carl é de temperamento mais reservado e está sempre observando pequenos animais, principalmente insetos. Finalmente, a pequena Una, de constituição mais frágil, é de uma doçura encantadora.

As crianças da casa pastoral, embora repletas de boas qualidades, acabam sendo vítimas da incompreensão por parte da maioria dos habitantes de Glen St. Mary. Por não terem uma educação assistida por um adulto competente, os filhos de Mr. Meredith, em sua inocência, cometem algumas faltas que são dignas de censura pelos mais religiosos.

É escusado dizer que as crianças Meredith e os Blythes acabarão fazendo amizade entre si, mas a primeira parte do romance dá mais ênfase a outra nova personagem: a intrigante Mary Vance. Trata-se de uma garota órfã que decide fugir da casa da mulher que a adotara, em razão dos maus-tratos sofridos nas mãos da megera.

Mary é encontrada num celeiro pelas crianças Meredith, que a acolhem e lhe dão de comer. O pastor, distraído com suas leituras, acaba ignorando a presença de uma estranha em sua casa, ainda que Mary tenha um comportamento ativo e pouco comum em meninas da sua idade. Afeiçoada ao trabalho, a pequena fugitiva movimenta a casa pastoral, sendo apenas impedida de atuar na cozinha, território exclusivo da enfadonha tia Martha.

Conforme vamos conhecendo Mary Vance, percebemos que, mesmo recebendo ajuda de várias pessoas, a menina preserva sentimentos ruins que ganham reflexo principalmente nos comentários desagradáveis e inconvenientes que costuma fazer. É sem dúvida uma das criações mais realistas de Montgomery.

E certamente que aqui, como nos volumes anteriores, não faltaria uma historieta de amor. Quando surge um súbito interesse do pastor viúvo pela já solteirona Rosemary West, reacende-se a esperança de que as crianças Meredith recuperem finalmente uma mãe dedicada e cuidadosa, mas uma antiga promessa feita em segredo entre Rosemary e sua irmã Ellen poderá ser um obstáculo incontornável.

Acredito que o que mais tenha prejudicado Vale do Arco-Íris tenha sido sua associação com a série “Anne”. A obra, enquanto livro independente, é bastante satisfatória, mas não se pode encará-la como parte integrante da saga de nossa ruivinha; está mais para o que, no mundo das séries, se entende por spin-off.

Excetuando o caso amoroso de Mr. Meredith (um personagem que chegou a  me irritar), Vale do Arco-Íris é um livro infantil cativante e envolvente. Era inevitável sentir empatia por aquelas crianças tão incompreendidas e cujas maiores faltas não passavam de pura infantilidade. Mas curioso mesmo é que eu tenha apreciado mais as aventuras dos Meredith do que as dos próprios Blythes em Anne de Ingleside.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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