Primeiro conto homoerótico da literatura
brasileira, O Menino do Gouveia (1914),
do incógnito Capadócio Maluco, foi publicado pela primeira vez num suplemento
da polêmica folha O Rio Nu, periódico
pornográfico que circulou no Rio de Janeiro, de 1898 a 1916.
O homoerotismo sempre foi um tema tabu em nossas
letras. A estética naturalista, contudo, inclinou-se por aproveitá-lo, ainda que
numa perspectiva secundária, como vemos n’O
Cortiço (1890), de Aluísio Azevedo; ou, quando tema central, de forma
velada, conforme lemos em Um Homem Gasto
(1885), de Ferreira Leal, e no Bom-Crioulo
(1895), de Adolfo Caminha. O próprio Machado de Assis arranha o tema no conto “Pílades
e Orestes”, de 1903, divulgado também anos depois nas Relíquias de Casa Velha. Mas é somente com O Menino do Gouveia que a homossexualidade torna-se objeto
consistente de uma narrativa brasileira, que a expõe sem pudores ou reservas.
Escrito sob pseudônimo para uma folha de
conteúdo adulto, O Menino do Gouveia utiliza
linguagem carregada de termos vulgares e apelativos. Não pensem contudo que o
texto é exatamente pobre por esta escolha vocabular. O conto tem uma estrutura
interessante e é bem desenvolvido, segundo seus propósitos narrativos. Talvez
certos exageros e tintas mais fortes exigidas pelo gênero pornô é que tenham
comprometido a qualidade ficcional.
O narrador é o próprio Capadócio Maluco que, já no
começo do conto, está na cama com o Bembém. Embora não se possa precisar a
idade deles, fica sugerido que Bembém é mais jovem que Capadócio. O rapaz,
enquanto acaricia a genitália do parceiro, dispõe-se a contar a história de sua
iniciação sexual. A ele pois é dada a tarefa de narrar até o desfecho do conto.
Bembém fala do despertar de sua sexualidade, por
volta do quatorze anos, quando gostava de espiar os criados nus. Seu desejo
maior, porém, era apreciar a nudez de seu tio, em cuja casa morava; desejo este
satisfeito graças a um estratagema que lhe permitiu assistir o tio em ato
sexual com a esposa. O “avantajado membro” visto por Bembém provoca-lhe uma
forte excitação venérea; mas no dia seguinte, após uma provocação direta, o
garoto é expulso de casa.
Ardendo em desejos, Bembém sai pela cidade em
busca do que ele chama de “fanchono”, termo atribuído a pederastas. No Largo do
Rocio, aparece Gouveia, que na descrição de Bembém era “um tanto maduro”. Uma
rápida conversação entre eles dá mostras das intenções de ambos. Gouveia, muito
cordial, leva Bembém ao cinema e, logo em seguida, à sua residência. Na
sequência, temos a iniciação sexual de Bembém segundo os ditames de seu deflorador.
O conto, escrito numa época bastante ignorante
aos conceitos de gênero e publicado em periódico destinado a um público
heterossexual, cristaliza a homossexualidade sob uma ótica limitada e machista.
Bembém, por exemplo, não consegue ter ereção, uma vez que só é capaz de sentir
prazer anal; sua figura é constantemente passiva e todas as referências a ele
apontam um comportamento feminino; o que fica sugerido é que o garoto, conforme
certas mulheres “da época”, não era mais que um objeto sexual do desejo
masculino.
É importante compreendermos que O Menino do Gouveia relata a
homossexualidade simplesmente pelo aspecto sexual. Numa época muito mais
intolerante que a nossa, dificilmente teríamos condições de conceber ficção que
abarcasse uma autêntica relação homoafetiva, ou seja, em que ambos os parceiros
compartilhassem do mesmo sentimento. O conto, não obstante seus exageros, é um
interessante documento para compreensão da visão que tinham os brasileiros
sobre as relações entre pessoas do mesmo sexo.
Avaliação: ★★★
OBSERVAÇÃO: O
Menino do Gouveia foi reeditado recentemente pela editora “O Sexo da
Palavra”. Pode ser adquirido pelo site (https://www.osexodapalavra.com/) ou
na página do Facebook da editora (https://www.facebook.com/osxdapalavra/).
Daniel Coutinho
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"Capadócio Maluco" não é homoerótico. É pornográfico. Favor corrigir.
ResponderExcluirOlá, Fernando, em certo trecho da resenha, menciono que o conto pertence ao gênero "pornô", além de ter citado anteriormente que fora publicado num periódico pornográfico. Optei, porém, por classificá-lo, no começo da resenha, como "primeiro conto homoerótico", para dar mais ênfase ao tema da atração sexual entre pessoas do mesmo sexo, e também porque desconheço a existência de um conto anterior a este que seja simplesmente "homoerótico". Se você souber, por favor, me avise.
ExcluirUm abraço!
Alguém ficou sem graça, nesta história! Hahahahah
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