No primeiro semestre deste ano, tomei contato com a obra de Patativa do Assaré. A obra escolhida para essa experiência foi uma reunião dos cordéis publicados por Patativa, cuidadosamente coligidos e organizados pelo pesquisador Gilmar de Carvalho, um grande admirador do poeta d’A triste partida, seu biografado. Confira a resenha aqui!
Um leitor do blog (Hélio Leite), percebendo
que eu lera a edição de 1999, informou-me sobre uma 2ª edição ampliada, lançada
em 2012, contendo cinco novos folhetos. Animei-me, especialmente ao saber que
essa nova edição também era fruto de novas pesquisas de Gilmar de Carvalho, que
teve o cuidado de informar as respectivas fontes dos novos folhetos divulgados,
um deles, inclusive, transcrito a partir de uma gravação onde o próprio
Patativa o recita.
A edição é bastante semelhante à de 1999, a
começar pela capa. Novas xilogravuras foram acrescidas para ilustrarem os novos
cordéis, como também novos textos de apoio, entre os quais se destaca o texto
das orelhas, que contém o trecho de uma entrevista com Patativa, concedida ao
próprio Gilmar em 1996. O poeta, com suas maneiras simples e desinteressadas,
mostra-se estar ciente de sua produção literária, fazendo referências não só
aos títulos de seus simplórios folhetos, mas às circunstâncias em que eles
foram produzidos. Uma ressalva a essa nova edição é a qualidade do papel, muito
melhor na anterior.
Comentando rapidamente os cinco novos
folhetos, temos um conjunto interessante em que se revelam outras
particularidades da cultura cordelista. A “Carta em versos ao escritor Tomé
Cabral sobre seu livro Patuá de
Recordações” destoa bastante do conjunto da obra, por não ser exatamente o
que se entende por cordel. O que Patativa faz é apenas empregar sua lira ao
trabalho de agradecer a Tomé Cabral o presente que este lhe fez ao mandar-lhe
um exemplar de Patuá de Recordações.
Em seguida, temos dois “folhetos por
encomenda” que constituem relatos verídicos de crimes praticados no sertão. “O
crime de Cariús” relata o assassinato do farmacêutico Carlos Gomes de Matos,
morte encomendada pelo médico Nelson Carreira, um inimigo de Carlos. O problema
desse cordel é a quantidade de pormenores mencionados, com relação às várias
pessoas envolvidas no crime, o que enfada o leitor e prolonga o texto em
demasia. O mais provável é que, longe de ser uma falha de Patativa, esses
pormenores tenham sido exigidos pela família da vítima. O fato de tratar um
caso verídico leva Patativa a optar pelo pseudônimo Alberto Sipauba.
“A morte de Artur Pereira” nos conta o caso
tenebroso de uma filha que matou o próprio pai. Patativa teve o consentimento
da família do falecido para registrar o crime em seu folheto. Amélia é filha
natural de Artur Pereira. Desde pequena, a menina revela um comportamento
odioso, parecendo não ter afeição por ninguém. O que Amélia preza mesmo é sua
liberdade. Ao ver-se subjugada pelo poder paterno, não hesita em preparar um
almoço envenenado para Artur. Mesmo o crime sendo descoberto, Amélia não passa
mais que alguns dias na prisão. Patativa protesta a impunidade e ousa nos
versos finais dirigir-se à filha assassina, exortando-a por sua libertinagem.
Foi o que mais me interessou dentre os novos cordéis.
“Sonho agradável” foi resgatado a partir de
uma gravação preservada pelo professor Carlos Henrique Sales Andrade. Esse
cordel achava-se perdido há muitos anos e Patativa preferia que assim o fosse,
pelas maneiras indecorosas de como se referiu a Assaré, seu município
natalício. Receoso de provocar desafetos, Patativa parece ter empregado grande
esforço por esquecê-lo e, de certa forma, conseguiu, pois o constante da
gravação é apenas um fragmento do poema original, já não lembrado integralmente
por Patativa. Se duvidar, era o único que ele não sabia de cor rsrsrs. O cordel
conta sobre uma febre pestilenta que assolou Assaré no início dos anos 40.
Buscando auxílio médico, um sertanejo interiorano decide fazer pouso na cidade.
Passando a noite num casebre, ele começa a sonhar que morria e subia ao céu,
onde encontrou Cristo, Maria e tantas outras divindades. O sertanejo trava um
diálogo com São Pedro que, ao saber que o homem era de Assaré, compadece-se
imediatamente dele.
Outra particularidade da poesia popular é o
repente. A cultura nordestina está marcada pelas inúmeras disputas de repentistas,
que eram poetas/cantadores que duelavam com suas rimas improvisadas, muitas
vezes caracterizadas pela manutenção de um verso obrigatório. O “Encontro de
Patativa do Assaré com a alma de Zé Limeira, o poeta do absurdo” apresenta
justamente uma disputa de repentistas. Baseado num caso supostamente real,
Patativa e Zé Limeira pelejam arduamente em décimas nas quais se mantém o verso
“nos dez de galope da beira do mar”.
Os novos cordéis acrescidos a esta 2ª
edição certamente a enriqueceram, complementando a mesma com outras
particularidades da poesia popular nordestina. É mesmo louvável o trabalho
realizado por Gilmar de Carvalho na tarefa de resgate e compilação da produção
cordelística de Patativa. O trabalho de revisão do livro é que ficou a desejar,
sendo detectáveis muitos erros óbvios que poderiam ter sido evitados.
Daniel Coutinho
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Pelo que vejo é uma edição que foge da essência do cordel? Me parece que muitos textos fogem da estética cordelista. Ressalto que o Gilmar é o estudioso que mais se preocupou em divulgar a obra do Patativa Brasil a fora. Eu tenho uma edição que une cordeis e letras de musica e até soneto de Patativa editada pela Hedra, o livro em questão se chama "Aqui tem coisa". É um livro ainda à espera de mim...
ResponderExcluirGilmar diz que toda a obra de Patativa é cordel, talvez pela natureza popular e despretensiosa do poeta. De fato, alguns textos da coletânea (incluindo alguns que já haviam aparecido na 1ª edição) fogem ao modelo convencional, mas que ainda assim são muito válidos para leitura e compreensão do universo patativano.
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