Encerramos
2022 com mais um Camilo Castelo Branco. No último ano, graças ao meu desafio
pessoal relacionado à Coleção Saraiva, li quatro romances do autor, e este
último, embora não tenha superado Os Brilhantes do Brasileiro, teve seus bons momentos.
O Romance dum Homem Rico (1861) é o tipo de livro que explica com precisão
o porquê da ficção camiliana não ter envelhecido bem. Certo é que o romance
romântico é mesmo cheio de idealizações e exageros, mas, no presente caso, tudo
isso se eleva a patamares difíceis de conceber, principalmente a nós, leitores
do século XXI.
O
protagonista Álvaro e sua mãe Maria da Glória são seres tão angelicais que, a
meu ver, seriam desacreditados até pelos contemporâneos de Camilo. Álvaro,
sobretudo, consegue ser ainda mais endeusado aos olhos do leitor, de modo que
tanta entrega e resignação chegavam a me incomodar, e até me fazer preferir a
primeira parte do livro, que se concentra na história de Maria da Glória.
Que a
escrita de Camilo não é das mais fáceis de digerir, todos já sabemos; mas a
longa introdução d’O Romance dum Homem
Rico pode constituir um problema à parte. Era um recurso comum ao novelista
d’A Brasileira de Prazins introduzir
seus romances com a “narrativa real” sobre o descobrimento da história a ser
contada. Neste caso específico, porém, o autor empolgou-se além da conta, principalmente
nas falas prolixas do então Padre Álvaro.
Vencida a
introdução, o livro ganha ritmo e as páginas começam a fluir mais livremente. A
princípio, o conflito principal é o desejo do pequeno Álvaro em descobrir a
verdade sobre sua mãe, a qual não chegara a conhecer e sobre quem nada se
comenta dentro de casa.
Pouco a
pouco, fazendo investigações por conta própria, Álvaro descobre que sua mãe
está viva e encerrada num convento. Seu desejo imediato é encontrá-la às
escondidas do pai e, dessa forma, descobrir as razões que levaram Manoel
Teixeira a enclausurar a esposa.
Avançando
para a segunda parte do romance, o que temos é a paixão não-correspondida de
Álvaro por sua prima Leonor. Embora tal união seja desejada por ambas as
famílias, a ardente Leonor, de natureza romântica, apaixona-se perdidamente por
Miguel de Soto-Maior, um jovem poeta, cuja vida desregrada e cheia de excessos
faz suspeitar ao leitor embaraços futuros à prima de Álvaro.
Como já dito
anteriormente, a história da enclausurada pareceu-me mais interessante. O
mistério sobre o passado de Maria da Glória foi criado e devidamente desvendado
na primeira metade do livro. A postura assumida por ela, após determinados
acontecimentos, foi o ponto alto do romance, que soube ser coerente e
convincente a esta altura da narrativa.
Em relação à
segunda metade da obra, cansava-me o comportamento passivo de Álvaro que,
diante do sofrimento, parecia apegar-se à dor ao invés de afugentá-la. Alguém
como ele, um homem rico como diz o título da obra, possuía um leque de
possibilidades e caminhos a ser seguidos antes de optar pela carreira religiosa,
fato este sabido pelo leitor desde a introdução.
Algumas
situações exageradas dos capítulos finais também não caíram na minha graça, mas
esses episódios de dramalhão mexicano estão sempre presentes nas obras de
Camilo. Contudo, o que mais me incomodou verdadeiramente nesse contexto foi a
santidade exagerada do protagonista que, mesmo sendo um homem bom, trazia
estampada no rosto a infelicidade.
É curioso
que um homem tão mundano como Camilo tivesse essas inspirações cheias de
candura e devoção religiosa. Mas artistas são assim: seres peculiares e cheios
de contradições. Cabe a nós, apreciadores da arte, saber absorver os detalhes
cujo aproveitamento nos enriquecem, nos confortam e nos contentam.
Avaliação: ★★★
Daniel Coutinho
***
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