quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

O Romance dum Homem Rico, de Camilo Castelo Branco - RESENHA #194

Encerramos 2022 com mais um Camilo Castelo Branco. No último ano, graças ao meu desafio pessoal relacionado à Coleção Saraiva, li quatro romances do autor, e este último, embora não tenha superado Os Brilhantes do Brasileiro, teve seus bons momentos.

O Romance dum Homem Rico (1861) é o tipo de livro que explica com precisão o porquê da ficção camiliana não ter envelhecido bem. Certo é que o romance romântico é mesmo cheio de idealizações e exageros, mas, no presente caso, tudo isso se eleva a patamares difíceis de conceber, principalmente a nós, leitores do século XXI.

O protagonista Álvaro e sua mãe Maria da Glória são seres tão angelicais que, a meu ver, seriam desacreditados até pelos contemporâneos de Camilo. Álvaro, sobretudo, consegue ser ainda mais endeusado aos olhos do leitor, de modo que tanta entrega e resignação chegavam a me incomodar, e até me fazer preferir a primeira parte do livro, que se concentra na história de Maria da Glória.

Que a escrita de Camilo não é das mais fáceis de digerir, todos já sabemos; mas a longa introdução d’O Romance dum Homem Rico pode constituir um problema à parte. Era um recurso comum ao novelista d’A Brasileira de Prazins introduzir seus romances com a “narrativa real” sobre o descobrimento da história a ser contada. Neste caso específico, porém, o autor empolgou-se além da conta, principalmente nas falas prolixas do então Padre Álvaro.

Vencida a introdução, o livro ganha ritmo e as páginas começam a fluir mais livremente. A princípio, o conflito principal é o desejo do pequeno Álvaro em descobrir a verdade sobre sua mãe, a qual não chegara a conhecer e sobre quem nada se comenta dentro de casa.

Pouco a pouco, fazendo investigações por conta própria, Álvaro descobre que sua mãe está viva e encerrada num convento. Seu desejo imediato é encontrá-la às escondidas do pai e, dessa forma, descobrir as razões que levaram Manoel Teixeira a enclausurar a esposa.

Avançando para a segunda parte do romance, o que temos é a paixão não-correspondida de Álvaro por sua prima Leonor. Embora tal união seja desejada por ambas as famílias, a ardente Leonor, de natureza romântica, apaixona-se perdidamente por Miguel de Soto-Maior, um jovem poeta, cuja vida desregrada e cheia de excessos faz suspeitar ao leitor embaraços futuros à prima de Álvaro.

Como já dito anteriormente, a história da enclausurada pareceu-me mais interessante. O mistério sobre o passado de Maria da Glória foi criado e devidamente desvendado na primeira metade do livro. A postura assumida por ela, após determinados acontecimentos, foi o ponto alto do romance, que soube ser coerente e convincente a esta altura da narrativa.

Em relação à segunda metade da obra, cansava-me o comportamento passivo de Álvaro que, diante do sofrimento, parecia apegar-se à dor ao invés de afugentá-la. Alguém como ele, um homem rico como diz o título da obra, possuía um leque de possibilidades e caminhos a ser seguidos antes de optar pela carreira religiosa, fato este sabido pelo leitor desde a introdução.

Algumas situações exageradas dos capítulos finais também não caíram na minha graça, mas esses episódios de dramalhão mexicano estão sempre presentes nas obras de Camilo. Contudo, o que mais me incomodou verdadeiramente nesse contexto foi a santidade exagerada do protagonista que, mesmo sendo um homem bom, trazia estampada no rosto a infelicidade.

É curioso que um homem tão mundano como Camilo tivesse essas inspirações cheias de candura e devoção religiosa. Mas artistas são assim: seres peculiares e cheios de contradições. Cabe a nós, apreciadores da arte, saber absorver os detalhes cujo aproveitamento nos enriquecem, nos confortam e nos contentam.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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