O sétimo livro da série “Anne” tem uma proposta
diferenciada de seus antecessores. A princípio imaginei que, tal como em Anne de Ingleside, os filhos de Anne e Gilbert seriam os protagonistas de Vale
do Arco-Íris (1919), mas o romance se concentra em novos personagens: o
reverendo John Meredith e seus quatro filhos.
Mr. Meredith, embora seja o melhor pregador que já
passou por Glen St. Mary, é um homem distraído e, por consequência, um pai
negligente. Com a morte de sua esposa, os quatro filhos (Jerry, Faith, Carl e
Una) ficaram sob a supervisão de tia Martha, uma senhora já idosa e pouco hábil
no tratamento com crianças.
Jerry, o mais velho dos filhos do pastor, é um
menino corajoso e inteligente, representando o que Jem Blythe seria para a
família de Ingleside. Faith é uma garota adorável e vivaz, cheia do entusiasmo
que ressuma de sua personalidade forte. Carl é de temperamento mais reservado e
está sempre observando pequenos animais, principalmente insetos. Finalmente, a
pequena Una, de constituição mais frágil, é de uma doçura encantadora.
As crianças da casa pastoral, embora repletas de
boas qualidades, acabam sendo vítimas da incompreensão por parte da maioria dos
habitantes de Glen St. Mary. Por não terem uma educação assistida por um adulto
competente, os filhos de Mr. Meredith, em sua inocência, cometem algumas faltas
que são dignas de censura pelos mais religiosos.
É escusado dizer que as crianças Meredith e os
Blythes acabarão fazendo amizade entre si, mas a primeira parte do romance dá
mais ênfase a outra nova personagem: a intrigante Mary Vance. Trata-se de uma
garota órfã que decide fugir da casa da mulher que a adotara, em razão dos maus-tratos
sofridos nas mãos da megera.
Mary é encontrada num celeiro pelas crianças Meredith,
que a acolhem e lhe dão de comer. O pastor, distraído com suas leituras, acaba ignorando
a presença de uma estranha em sua casa, ainda que Mary tenha um
comportamento ativo e pouco comum em meninas da sua idade. Afeiçoada ao
trabalho, a pequena fugitiva movimenta a casa pastoral, sendo apenas impedida
de atuar na cozinha, território exclusivo da enfadonha tia Martha.
Conforme vamos conhecendo Mary Vance, percebemos
que, mesmo recebendo ajuda de várias pessoas, a menina preserva sentimentos
ruins que ganham reflexo principalmente nos comentários desagradáveis e
inconvenientes que costuma fazer. É sem dúvida uma das criações mais realistas
de Montgomery.
E certamente que aqui, como nos volumes anteriores,
não faltaria uma historieta de amor. Quando surge um súbito interesse do pastor
viúvo pela já solteirona Rosemary West, reacende-se a esperança de que as
crianças Meredith recuperem finalmente uma mãe dedicada e cuidadosa, mas uma
antiga promessa feita em segredo entre Rosemary e sua irmã Ellen poderá ser um
obstáculo incontornável.
Acredito que o que mais tenha prejudicado Vale
do Arco-Íris tenha sido sua associação com a série “Anne”. A obra, enquanto
livro independente, é bastante satisfatória, mas não se pode encará-la como parte
integrante da saga de nossa ruivinha; está mais para o que, no mundo das
séries, se entende por spin-off.
Excetuando o caso amoroso de Mr. Meredith (um
personagem que chegou a me irritar), Vale
do Arco-Íris é um livro infantil cativante e envolvente. Era inevitável
sentir empatia por aquelas crianças tão incompreendidas e cujas maiores faltas
não passavam de pura infantilidade. Mas curioso mesmo é que eu tenha apreciado
mais as aventuras dos Meredith do que as dos próprios Blythes em Anne de Ingleside.
Avaliação: ★★★
Daniel
Coutinho
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