Você já deve ter lido ou até mesmo ouvido
falar no termo “rocambolesco”. Conheci Rocambole
graças a esse dito termo, usado até hoje para designar histórias acidentadas,
cheias de peripécias e reviravoltas. A palavra provém do nome do famoso
personagem Rocambole, criação mais famosa do francês Ponson du Terrail. Não tem
como não lembrar aquele bolo em forma de caracol rsrsrs. Pois é. Por conta de
seu formato “enrolado”, o bolo acabou ganhando o nome do personagem. É meio
complicado falar de Rocambole, cuja
composição é tão embaraçosa quanto a própria narrativa do mesmo, mas vou tentar
ser o mais esclarecedor possível, amparado em minhas pesquisas.
Ponson du Terrail (1829-1871) foi um
escritor francês que ficou famoso por seus incontáveis folhetins. Ele escreveu
em torno de 200 romances, para se ter uma noção. Para quem não sabe, o folhetim
era a telenovela do século XIX. Os jornais traziam nos rodapés narrativas
seriadas, segundo o gosto popular, a fim de garantir assinantes. De fato, muita
gente adquiria o jornal apenas para acompanhar os folhetins. Podemos dizer que
o folhetim foi o ganha-pão de muitos autores, não só na França, mas em
praticamente todo o mundo. O auge do sucesso de Terrail como folhetinista
despontou em 1857, com a estreia do seu comentado folhetim Os Dramas de Paris (Les Drames de Paris), publicado no jornal La Patrie, e projetado para ser uma
“série”, cuja primeira história chamava-se A
Herança Misteriosa (L'Héritage Mystérieux). Contava a história de Armand,
um homem rico que pretende esquecer as fatalidades de seu passado através da
filantropia, levando auxílio aos necessitados das classes menos favorecidas da
sociedade francesa. Qualquer semelhança com Os Mistérios de Paris (Eugène Sue) não é mera coincidência; mas trataremos
disso mais adiante. Foi em A Herança
Misteriosa, primeiro folhetim da série Os
Dramas de Paris, que apareceu pela primeira vez o personagem Rocambole, um
anti-herói que, mesmo sendo uma figura secundária da trama, roubou a cena e
conquistou o público.
Animado com a boa recepção de sua série,
Ponson du Terrail, no ano seguinte, publicava a segunda história: O Clube dos Valetes de Copas (Le Club
des Valets-de-cœur). Claro que não poderia deixar Rocambole de fora da nova
trama. O êxito se repetiu, Rocambole ganhou novos fãs e, de tão querido pelo
público, acabou virando a figura principal da série a partir da terceira
história: As Proezas de Rocambole
(Les Exploits de Rocambole), publicada entre 1858 e 1859. A série chegava então
ao ápice, fazendo o autor escrever incansavelmente, por quatro anos, a quarta
história, Os Cavaleiros do Luar (Les
Chevaliers du clair de lune), entre 1860 e 1863. Terrail estava então saturado
daquilo; não aguentava mais Rocambole, o bandido que mudara o destino de sua
série. De fato, o título genérico Os
Dramas de Paris estava esquecido. Quando mencionados, aqueles folhetins
eram indicados simplesmente por Rocambole.
O autor então decidiu matar o querido personagem, a fim de livrar-se da série.
O público foi quem não gostou nenhum pouco da ideia. Assim, depois de mais de
um ano sem novas aventuras com o amado bandido, e após ser ferozmente
pressionado pelo público e por seus editores, o autor decide ressuscitar
Rocambole, escrevendo a quinta história da série: A Ressurreição de Rocambole (La Résurrection de Rocambole), entre
1865 e 1866, imediatamente seguida de A
Última Palavra de Rocambole (Le Dernier mot de Rocambole), publicada entre
1866 e 1867.
Se por um lado, Rocambole era idolatrado
pelas massas populares; por outro, era desdenhado pela crítica, que o taxava de
inverossímil, estereotipado e vulgar, dentre muitos outros defeitos. Para
defender sua obra, no livro, A
Verdade sobre Rocambole (La Vérité sur Rocambole, 1867), o autor revela ter
se baseado em um tipo real para construir seu personagem central. Será verdade
ou mera estratégia? O certo é que, de um jeito ou de outro, Rocambole
acompanharia Ponson du Terrail até a morte. Entre 1867 e 1868, saía a sétima
história: As Misérias de Londres (Les
Misères de Londres), seguida de As
Demolições de Paris (Les Démolitions de Paris, 1869). Em 1870, sairia a nona história, A Corda do Enforcado
(La Corde du pendu), que acaba
ficando incompleta, pois no ano seguinte, morreria Ponson du Terrail.
Não foram poucos os escritores que se
aventuraram a dar continuação à saga Rocambole.
Teve um português, Francisco Leite Bastos, que se sobressaiu ao escrever um
final para a última história que ficara incompleta, na obra que chamou As Maravilhas do Homem Pardo, por muito
tempo atribuída ao próprio Ponson du Terrail e considerada por muitos a décima e última história oficial da saga. Nem preciso dizer que Rocambole conquistou o mundo e ganhou
inúmeras adaptações para cinema e teatro. O Jornal
do Comércio, no Rio de Janeiro, era o responsável por levar as aventuras
rocambolescas ao público brasileiro. Quanto às edições em livro, não sei dizer
quantas foram realizadas em Brasil e Portugal, mas foram várias se contarmos as
publicações avulsas, pois poucas editoras lograram editar o Rocambole na íntegra; daí a dificuldade
de ler tão vasta obra em português. Sei que a Guimarães & Cia., de
Portugal, editou a obra completa em vários volumes, por mais de uma vez. No
Brasil, não tenho certeza, pois careço de fontes, mas penso que a editora
Minerva também publicou a versão integral de Rocambole. Outras editoras lançaram volumes avulsos e versões
condensadas, como foi o caso da Editora Cia. Brasil e Nova Fronteira. A
primeira, em 1946, lançou em 8 volumes uma versão “mais enxuta” da saga
completa (que estou louco para conseguir, pois é o mais próximo da versão
integral que penso ser possível obter); a outra lançou, em 1977, sob o título As Aventuras de Rocambole, uma versão
condensada de A Herança Misteriosa,
que é o primeiro livro da saga. Esta edição da Nova Fronteira foi tudo que li,
pois não obtive a versão integral. Nem faço apelo às editoras brasileiras, pois
se elas não lançam Os Mistérios de Paris
(que é obra muito mais importante), quem dirá Rocambole.
Agora, imagino que estejam curiosos para
saber o que achei desse primeiro contato com a obra-prima de Ponson du Terrail.
De antemão, já advirto que fiquei chateado por não conseguir a versão integral.
Depois da experiência catastrófica com aquela edição condensada d’Os Mistérios de Paris, ainda estou meio
traumatizado. Mas como queria muito ler Rocambole...
rsrsrs Até pensei em procurar a versão “mais enxuta” da saga completa em 8
volumes, lançada pela Cia. Brasil, mas fiquei meio assustado com o preço nos
sebos. Foi o jeito partir pra edição única da Nova Fronteira mesmo rsrsrs que,
felizmente, é maravilhosa. Até entendo que o trabalho de tradução e adaptação
tenha sido mais simples que o de Os Mistérios de Paris da Editora Eli, pois a Nova Fronteira condensou 600
páginas em 350, enquanto a Editora Eli condensou 1500 páginas em 350. Mesmo
assim, ainda penso que poderiam ter feito um trabalho melhor! Sério, gente,
leiam esse post/desabafo que fiz.
Prometo não fazer mais links rsrsrs!
A primeira impressão que tive lendo Rocambole foi ter a certeza de que
Ponson du Terrail leu Os Mistérios de
Paris, de Eugène Sue. É impossível não compará-los. Felizmente, o autor de Rocambole não buscou esconder sua fonte
de inspiração e mostrou que é bem possível fazer uma obra de sucesso inspirada
em outra obra de sucesso. Se pensarmos no caso, foi o mesmo com Virgílio e
Homero, não? Mas é necessário reconhecer que a obra do Sue é muito superior.
Sou consciente de não ser a pessoa mais indicada para fazer esse tipo de julgamento,
até porque, como já confessei, apenas li adaptações dessas obras; portanto,
faço questão de esclarecer que minhas considerações se baseiam unicamente nas
impressões absorvidas dessas edições adaptadas.
Se observarmos o teor de ambas as tramas,
perceberemos intenções diferentes em cada uma delas. O romance do Sue, mesmo em
moldes românticos, é essencialmente realista e visa denunciar o descaso da
burguesia para com as classes mais miseráveis da sociedade parisiense. Rocambole, por outro lado, é puro entretenimento,
mas o bom é que seu autor é consciente disso. Em nenhum momento seu texto dá
mostras de querer ser pretensioso. O narrador de Rocambole quer apenas divertir, empolgar e, claro, emocionar o
leitor. A narrativa corre em ritmo o tempo todo acelerado. Percebo que o fato
da edição ser condensada pôde ter contribuído ainda mais para chegar a esta
conclusão, mas em momento nenhum percebi alguma brecha ou parêntese no enredo
com outra finalidade que vá além do entretenimento. Devemos lembrar que o folhetim
era o ganha-pão de Terrail. Ele não estava interessado em entrar para o cânone
da literatura francesa; só queria garantir seu sustento. Poderia abrir aqui uma
discussão sobre a questão da literatura de entretenimento, mas julgo que este post já esteja muito longo, o que não me
impede de declarar que, sim, gosto desse tipo de literatura, desde que
“realmente” me entretenha!
É totalmente compreensível a crítica ter
taxado Rocambole de estereotipado,
pois nele, temos claramente definido o bem e o mal, personificados nos irmãos
Armand e Andréia (Andréia é homem, ok?). O enredo é realmente bastante
movimentado e cheio de estratégias folhetinescas: paixões proibidas, traições,
envenenamentos, sequestros, duelos, e por aí vai... rsrsrs. O autor é perito na
criação de tramas intrincadas e realiza a narrativa com mestria, de modo que a
mesma raramente perde o interesse do leitor. O texto é repleto de diálogos e
personagens simpáticos, como o próprio Rocambole, que mesmo sendo um bandido, é
uma verdadeira graça rsrsrs. Embora ele só apareça quase que no final do livro,
deixa sua marca registrada na trama e ganha a simpatia do leitor. Nos primeiros
livros da série, Rocambole é bandido, passando gradativamente ao herói que será
nos livros seguintes.
Ponson du Terrail já me conquistou com essa
pequena amostra do seu Rocambole.
Estou mesmo quase decidido a ir atrás da edição da Cia. Brasil, pois já estou
super curioso para saber o destino desse tão querido personagem, que tanto
cativou o público oitocentista e que constitui influência que repercute até os
dias de hoje. Adoraria poder ler isso na íntegra! Portanto, decidi não fazer
resenha da edição que li. Vou esperar uma oportunidade para, quem sabe, mais
pra frente, fazer um diário de leitura da saga Rocambole completa. Torço para que isso seja possível. Vamos aguardar pra
ver!
Daniel Coutinho
***
Escreva para o blog: autordanielcoutinho@gmail.com
Daniel, vc é uma das raras pessoas que conheci, que leu Rocambole. Parabéns!
ResponderExcluirEu, felizmente, li uma publicação portuguesa com 12 volumes. Também li "As aventuras de Rocambole", e posso lhe garantir que não passa de uma amostra simplória da publicação do editor João Romano Torres (Rua D. PEdro V, 84 a 88 - Lisboa.
Abraços
Neri Monteiro
Olá, Neri! Realmente essa versão que li foi só pra dar um gostinho, mas serviu para eu conhecer o maravilhoso Rocambole. Acabei comprando depois a versão completa lançada pela editora Brasil em 1946. São oito volumes contendo as 9 histórias, além da décima "As Maravilhas do Homem Pardo" escrita por Francisco Leite Bastos. Ainda não sei quando começarei a ler "Rocambole", mas com certeza um dia o farei. Abraço!
ExcluirEu também li o Rocambole completo.E tenho as edições brasileiras e portuguesas completas. O curioso é que a edição da Editora Guimarães e da Editora Minerva são iguais, ou seja o texto é exactamente igual. Abracos de Portugal
ResponderExcluirOi! Que legal saber que você já leu o Rocambole completo! Preciso começar a ler a versão integral. De qual dos livros você gosta mais? Todos são legais de ler? Abraços do Brasil :)
ExcluirTenho a primeira edição de a última palavra de rocambole.
ResponderExcluirQuero vender (17) 992481125
ResponderExcluirDaniel,fiquei feliz em ler seu depoimento!Li toda essa obra aos 15/16 anos. Minha tia avó tinha a coleção encadernada!Acredita?Ah,que folhetim maravilhoso!
ResponderExcluirQue maravilha! Ainda não pude ler Rocambole, mas já é meta de vida rs. E que inveja dessas edições encadernadas da sua tia-avó rs!
ExcluirHoje com 79 anos lembro que li muitos volumes desse romance, nunca esqueci ,era do pai de umas amigas minha, seu nome era Sr. Antonio Moreno ,em Arcoverde.eu tinha 17 anos, saudades das aventuras que vivi ao lê.
ExcluirOi! Que bacana o seu depoimento! É muito gostoso pensar que algumas experiências de leitura nos acompanham por toda a vida. Grande abraço!
ExcluirFui pesquisar a palavra "rocambolesco" no dicionário e me surpreendi em conhecer o personagem Rocambole. Pesquisei mais e vi essa página, onde pude aprender muito, que despertou-me o interesse em conhecer a obra do escritor Ponson du Terrail. Obrigada por compartilhar os seus conhecimentos.
ResponderExcluirOlá, Monica! Fico feliz que tenha se interessado pelo Rocambole.
ExcluirEu desejo muito ainda ler a série toda. Espero que aconteça logo.
Abraço ;)
Olá, sobre o Rocambole de Ponson du Terrail, li a Herança Misteriosa, primeiro e segundo volumes, e O clube dos Valetesde Copas. Onde posso comprar o resto da coleção? Sou fã. Vi 2 filmes em 1950 (?): O Rocambole e a Desforra de Bacarat, em Portugal onde nasci e fiquei fã desse escritor e do seu Rocabole.
ResponderExcluirOi! Infelizmente os livros dessa série não são mais editados, e só é possível encontrá-los em sebos. Abraço!
ExcluirBoa tarde amigo Daniel, estejas cada vez melhor juntamente com a familia...
ResponderExcluirLi as aventuras de ROCAMBOLE, quando tinha entre 14 e 16 anos, mas jamias esqueci a forma de envolvimento do PERSONAGEM, após termos nos formado em ECONOMIA, lembrei das suas atuações e fiz aplicações dos conhecimentos investidos pelo PERSONAGEM , usando elas NA AREA DE VENDAS, onde obtivemos imenso sucesso.
Agora estou procurando entender um novo PERSONAGEM BRASLEIRO, vida REAL, que atuava no "Pais do Credo em Cruz ", assumindo " Muita Justiça", no "Serviço Povão , chegando "Superior Terrtorio Fervente", onde sozinho determina nova trajetoria o "TAMANHO DAS PALAVRAS". "Semelhança Total profunda " no PERSONAGEM sem peruca com o PERSONAGEM ROCAMBOLE. Falta entender quem são e como ha novos PONSON DU TERRAL , reescrevendo essa nova obra REAL BRASILEIRA.