José Vicente
Sobrinho (1875-1924) foi um dos fundadores da Academia Paulista de Letras.
Tendo vivido menos de cinquenta anos, além de seus trabalhos como jornalista,
cronista e biógrafo, deixou-nos a coletânea Contos
e Fantasias (1898), seu livro mais conhecido.
Influenciado
pela escola simbolista, José Vicente Sobrinho brinda-nos com uma prosa poética
admirável. Nesta resenha, tratarei apenas da primeira parte da coletânea já
citada, ou seja, a que compreende os “contos”. A segunda parte do livro, “Cartas
à minha irmã”, a despeito de sua roupagem literária, funciona mais como um
conjunto de reminiscências e elucubrações pessoais.
Os nove
contos da primeira parte são verdadeiras joias poéticas, dessas que fazem
saltar das páginas verdadeiros quadros enternecedores, ainda que pungentes.
Quando lidos em voz alta, estes contos exprimem musicalidade e ritmo
impressionantes, qualidades que se destacam em relação aos enredos, que aqui
são simples e de fácil construção.
“Palhaços”,
que abre o conjunto, já nos apresenta um tema recorrente na obra do contista:
histórias circenses. Nele, o palhaço Delfino, abandonado pela esposa, que
fugira com outro artista da companhia, assiste a morte lenta de seu pequeno
Julito. Narrador e leitor são espectadores diretos da cena, graças aos
artifícios empregados pelo autor.
Não pude ler
as duas primeiras páginas de “Soldados”, pois havia algumas perdas no texto da
digitalização a que tive acesso. Contudo, a maestria do prosador simbolista mais
uma vez comoveu-me com a história de Miguel que, após ficar inválido na guerra,
é desprezado pela mulher amada, que se casa com outro.
“Pescadores”
tem ares de lenda trágica, dessas que se leem com empolgação e lamento. A
demora de Nicolau desperta cruéis suspeitas na esposa e nos filhos do pescador,
mas essa aflitiva expectação é assistida pelo velho Ruy de Deus, que acompanha
todo aquele drama com um olhar providencial. O desfecho místico e poético faz
deste um dos pontos altos da coletânea.
Em “A morte
de Alfredinho”, acompanhamos outro quadro lutuoso, desta vez como se o autor
pretendesse nos convidar para um enterro, sem deixar de nos alertar para o
contraste que se percebe durante o percurso, já que a cidade celebra contente a
festa do Divino Espírito Santo. Já em “Nostalgia”, ele nos sensibiliza ao ser
empático com um pequeno imigrante italiano que contempla extasiado o cartaz de
uma companhia de vapores para a Itália.
“Conto de S.
João” é palco para mais um artifício interessante do contista. Aqui ele brinca
com o poder que detém o ficcionista para controlar o destino de seus
personagens, mostrando duas possibilidades para a mesma história, mas sem abrir
mão de suas constantes imagens poéticas.
“Recordações”
possui um título autoexplicativo, além de ser quase uma música para quem o
ouve. “Velhos marujos” também se destaca na coletânea por sua forte carga
dramática. A descoberta de uma traição somada a uma noite de tempestade dão ao
conto uma atmosfera incômoda e angustiante, mas a prosa poética do autor mais
uma vez amaina os conflitos em cena.
Os temas fúnebres
aparecem finalmente no último conto: “Pobres pequenos”. Rosália, em seu leito
de morte, repassa os erros e acertos de sua vida de artista circense, assistida
pelo marido e pelos filhos, que sonham em vê-la representar a grande pantomima
da “Gata Borralheira”.
Se o livro
de José Vicente Sobrinho estivesse limitado a estas nove histórias, eu
certamente lhe concederia uma avaliação mais meritória; contudo, as “Cartas à
minha irmã”, que compreendem metade do volume, não me empolgaram da mesma
forma. Ainda assim, a descoberta deste contista, para mim, foi um dos momentos
mais marcantes das leituras deste ano.
Avaliação: ★★★
Daniel Coutinho
***
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