Considerando as fortes impressões que me causou O Meu Pé de Laranja Lima, que li pela primeira vez há poucos anos, é até
muito natural que me interessasse pelas continuações. Foi assim que cheguei a Vamos
Aquecer o Sol (1974), curioso e sedento por reencontrar o adorável Zezé.
Nosso querido personagem tem agora onze anos e já
não mora com sua família no Rio de Janeiro. Seu padrinho, um médico residente
em Natal, decide adotar Zezé por um tempo, para que o garoto pudesse estudar e
ter melhores condições de vida. Embora, à primeira vista, a situação do
personagem pareça ter melhorado significativamente, ele segue sendo aquela
criança carente de amor e atenção, já que é mais tratado como agregado do que
como parente.
Mas, para alegria geral dos leitores, Zezé continua
sendo o menino sensível e fantasioso de sempre. Na falta de uma figura amiga em
seu novo lar, ele decide fazer amizade com um sapo. Mas, obviamente, não se
trata de um sapo comum. Adão usa óculos, cachecol e carrega uma malinha com
todos os seus pertences; como se tudo isso já não bastasse, ele vai morar
dentro do coração de Zezé. E, claro, nem preciso dizer que Adão é um sapo
falante, e que ele e Zezé terão longas conversas por todo o livro.
Para suprir a figura do pai amoroso, tão
bruscamente tirada dele no livro anterior, Zezé toma o grande ator Maurice
Chevalier por seu pai. Maurice, após uma rotina exaustiva de gravações nos
estúdios de cinema, aparece quase todas as noites ao seu querido “monpti” (que
seria uma abreviação do francês “mon petit”). Eles conversam bastante também,
até que Zezé adormeça depois de receber o beijo de boa noite daquele afetuoso
pai.
Desde o livro anterior está claro que o grande
trunfo de Zezé é a imaginação. E é simplesmente maravilhoso quando vemos o
impacto dela na vida do garoto. As fantasias do personagem são tão vívidas, que
por vezes elas soam mais reais que personagens de carne e osso, e que, sabemos,
foram todos inspirados em pessoas reais.
Felizmente, dentre as figuras “reais”, temos o
simpático irmão Fayolle, membro da ordem religiosa que coordena o colégio de
Zezé. Fayolle está sempre salvando a pele de seu pupilo, pois o pestinha de O Meu Pé de Laranja Lima segue intacto nesta nova obra.
As travessuras de Zezé rendem ótimos capítulos para
Vamos Aquecer o Sol. Temos desde roubo de fruta no jardim alheio a
supostas aparições de almas do outro mundo. Em meio a todas essas diabruras,
nosso pequeno passa por poucas e boas, chegando a ser quase devorado por um
tubarão.
Há, contudo, uma quebra de ritmo na parte final do
romance, quando o autor faz alguns saltos temporais. Os episódios transcorrem
mais apressadamente. Acredito que José Mauro, percebendo que o livro já estava
bastante encorpado (Vamos Aquecer o Sol é o mais extenso da trilogia), optou
por correr um pouco nos capítulos da adolescência do protagonista.
Em compensação, o capítulo final é uma preciosidade
que só escritores de pena sensível, como José Mauro, conseguem escrever; ele
encerra o livro com um misto de emoção e criatividade, deixando o leitor
plenamente satisfeito. No fim das contas, Vamos Aquecer o Sol é
justamente isso: esse misto de artifícios e sentimentos, que nos mantém presos
à leitura e quase sempre indecisos sobre se ficamos tristes ou felizes com ela.
Avaliação: ★★★★
Daniel
Coutinho
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