sábado, 10 de maio de 2025

Vamos Aquecer o Sol, de José Mauro de Vasconcelos - RESENHA #217

Considerando as fortes impressões que me causou O Meu Pé de Laranja Lima, que li pela primeira vez há poucos anos, é até muito natural que me interessasse pelas continuações. Foi assim que cheguei a Vamos Aquecer o Sol (1974), curioso e sedento por reencontrar o adorável Zezé.

Nosso querido personagem tem agora onze anos e já não mora com sua família no Rio de Janeiro. Seu padrinho, um médico residente em Natal, decide adotar Zezé por um tempo, para que o garoto pudesse estudar e ter melhores condições de vida. Embora, à primeira vista, a situação do personagem pareça ter melhorado significativamente, ele segue sendo aquela criança carente de amor e atenção, já que é mais tratado como agregado do que como parente.

Mas, para alegria geral dos leitores, Zezé continua sendo o menino sensível e fantasioso de sempre. Na falta de uma figura amiga em seu novo lar, ele decide fazer amizade com um sapo. Mas, obviamente, não se trata de um sapo comum. Adão usa óculos, cachecol e carrega uma malinha com todos os seus pertences; como se tudo isso já não bastasse, ele vai morar dentro do coração de Zezé. E, claro, nem preciso dizer que Adão é um sapo falante, e que ele e Zezé terão longas conversas por todo o livro.

Para suprir a figura do pai amoroso, tão bruscamente tirada dele no livro anterior, Zezé toma o grande ator Maurice Chevalier por seu pai. Maurice, após uma rotina exaustiva de gravações nos estúdios de cinema, aparece quase todas as noites ao seu querido “monpti” (que seria uma abreviação do francês “mon petit”). Eles conversam bastante também, até que Zezé adormeça depois de receber o beijo de boa noite daquele afetuoso pai.

Desde o livro anterior está claro que o grande trunfo de Zezé é a imaginação. E é simplesmente maravilhoso quando vemos o impacto dela na vida do garoto. As fantasias do personagem são tão vívidas, que por vezes elas soam mais reais que personagens de carne e osso, e que, sabemos, foram todos inspirados em pessoas reais.

Felizmente, dentre as figuras “reais”, temos o simpático irmão Fayolle, membro da ordem religiosa que coordena o colégio de Zezé. Fayolle está sempre salvando a pele de seu pupilo, pois o pestinha de O Meu Pé de Laranja Lima segue intacto nesta nova obra.

As travessuras de Zezé rendem ótimos capítulos para Vamos Aquecer o Sol. Temos desde roubo de fruta no jardim alheio a supostas aparições de almas do outro mundo. Em meio a todas essas diabruras, nosso pequeno passa por poucas e boas, chegando a ser quase devorado por um tubarão.

Há, contudo, uma quebra de ritmo na parte final do romance, quando o autor faz alguns saltos temporais. Os episódios transcorrem mais apressadamente. Acredito que José Mauro, percebendo que o livro já estava bastante encorpado (Vamos Aquecer o Sol é o mais extenso da trilogia), optou por correr um pouco nos capítulos da adolescência do protagonista.

Em compensação, o capítulo final é uma preciosidade que só escritores de pena sensível, como José Mauro, conseguem escrever; ele encerra o livro com um misto de emoção e criatividade, deixando o leitor plenamente satisfeito. No fim das contas, Vamos Aquecer o Sol é justamente isso: esse misto de artifícios e sentimentos, que nos mantém presos à leitura e quase sempre indecisos sobre se ficamos tristes ou felizes com ela.

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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