sábado, 8 de junho de 2024

Frankenstein, de Mary Shelley - RESENHA #210

Frankenstein é dessas obras que povoam nosso imaginário desde que nos entendemos por gente, mas, quando finalmente nos aventuramos a ler o original, percebemos que o livro não é nada daquilo que imaginamos até então. A princípio, para mim, foi uma experiência feliz descobrir a história dessa forma, tão diferente, com propostas que vão muito além da literatura de horror. Mas os caminhos do romance, assim como seu protagonista, não me cativaram o bastante, de modo que esta não foi das leituras mais agradáveis do ano.

A maior qualidade de Frankenstein (1818) está na escrita de Mary Shelley. O texto dela se mantém belo e agradável mesmo nas passagens menos romanescas, como quando o foco está nos estudos e descobertas científicas de Victor. Poderia citar uma dúzia de autores que seriam tediosos na descrição de tais passagens. Talvez por ter crescido numa família de intelectuais e até mesmo ter casado com um poeta, Mary fosse tão expressiva em sua arte.

A primeira metade do romance, que é menos deprimente, mantém-se num nível mais palatável. O artifício de criar uma moldura para a narrativa através do capitão Walton dá um charme a mais ao livro. Em seguida, quando passamos à história de Victor Frankenstein, temos todos aqueles ingredientes da escola romântica que tanto me fascinam, especialmente no que se refere à influência da natureza sobre a trama. A autora nos transporta magicamente para os lagos suíços em noites enluaradas.

O suspense se mantém otimamente em torno da criação do ser ao qual Victor pretende conferir vida. Mas sua postura covarde perante o êxito de seu trabalho, além de acarretar consequências graves ao longo do enredo, fez-me antipatizar imediatamente com o personagem.

A partir daí, a presença de Victor em qualquer passagem prejudicava meu interesse pela obra. Felizmente, na sequência, temos a narrativa da criatura, que constitui boa parte do livro. Esse episódio é, contudo, um dos momentos mais deprimentes do romance, onde a autora, de certa forma, joga com o emocional do leitor, alimentando esperanças que logo se frustram.

Após a leitura de Frankenstein, tive acesso a uma resenha sobre o livro, escrita por Percy Shelley, o esposo da autora. Em seu texto, Percy toca num ponto que eu já havia entendido como a mensagem principal da obra: “Trate mal uma pessoa e ela se tornará perversa”. Acredito que o mais triste em Frankenstein é que nenhum personagem tenha sido de fato gentil com a criatura. O próprio cego De Lacey, que poderia ser apontado como uma exceção, jamais teria demonstrado gentileza perante a imagem monstruosa da criação de Victor. E este, o único que poderia facilitar os caminhos da criatura perante a humanidade, não teve caráter suficiente para assumir as consequências de seus atos. Um perfeito covarde.

Vocês devem ter percebido o quanto este livro me deixou irritado, e isso certamente interferiu na minha avaliação final. Eu, porém, jamais poderia negar o talento de sua autora: a beleza de sua escrita, a capacidade de pintar cenários inspiradores, a construção de atmosferas condizentes com cada passagem, dentre outros méritos inegáveis. Mas a tragicidade do livro, a meu ver bastante exagerada, acaba comprometendo o resultado final do romance. As várias mortes que se vão acumulando deixam a obra um tanto artificial, embora isso seja desculpável numa obra romântica.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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