Correio da Roça é um caso à parte na obra romanesca de Júlia Lopes de Almeida.
Publicado inicialmente em folhetins d’O País entre 1909 e 1910, e
posteriormente em livro (1913), a obra funciona como um romance didático, cujos
fins estavam bem delineados desde antes de sua composição.
D. Júlia pretendia instruir seu público,
predominantemente feminino, quanto aos benefícios advindos do cultivo da terra
e da criação de animais. Para tanto, ela se utiliza de um romance epistolar que
explora uma situação bastante conveniente às suas intenções: Maria, após a
morte do marido, vê-se em apertos financeiros, sendo obrigada a partir com as
quatro filhas para uma fazenda na serra, única propriedade que lhe restara.
É a partir desse contexto que se inicia uma assídua
correspondência, primeiramente entre Maria e Fernanda, uma amiga da capital,
mas que logo depois envolve outros personagens. Maria lamenta-se com a amiga,
relatando a vida tediosa na serra, como também a insatisfação de suas filhas,
meninas instruídas que ficavam, portanto, impossibilitadas de fazerem bom uso
de seus conhecimentos variados.
Fernanda, de sua parte, surpreende Maria por enxergar
a situação sob outra perspectiva; a seu ver, todo o conhecimento das quatro
filhas da amiga poderia ser de grande utilidade perante aquelas novas
circunstâncias. Fernanda enumera várias possibilidades de ocupações, que vão
desde o cultivo de violetas até a criação de novas estradas. Suas cartas são
enriquecidas com informações que compreendem experiências do mundo todo, o que sugere
claramente ser esta personagem um alter ego de D. Júlia.
As sugestões de Fernanda causam certo estranhamento
a princípio, mas, quando aplicadas, elas revelam resultados inacreditáveis.
Cecília, Cordélia, Joaninha e Clara dedicam-se a diferentes tarefas, que
contemplam a educação dos filhos dos colonos, o cultivo de flores, a criação de
um pomar e até mesmo a restauração de uma segunda fazenda menor, que Maria
herdara do pai.
As atividades das meninas inevitavelmente as inserem
na correspondência e, logo, outros personagens também tomam parte nela. É
visível a preocupação da autora em não permitir que o livro se torne um manual
sobre a vida no campo. Embora boa parte do texto se concentre nas obras de
Maria e suas filhas, outros acontecimentos mais romanescos favorecem o ritmo da
narrativa.
Correio da Roça, como esperado, causou um impacto bastante positivo, sendo reeditado
pelo menos mais cinco vezes até o início da década de 30. Com a publicação de
novos livros, mais direcionados e mais completos quanto ao tema, o romancete
epistolar de D. Júlia acabou ficando ultrapassado, e talvez que fosse
inteiramente esquecido, não fossem os aspectos literários que o conservaram.
Com ser um romance didático, Correio da Roça
certamente não é livro para todos. Não é, portanto, a obra certa para quem
deseja conhecer a ficção da autora de A Falência. Mas os apreciadores
veteranos como eu acharão nas páginas desse livro o delicioso encanto, cuja
fórmula D. Júlia conhecia tão bem.
Avaliação: ★★★
Daniel
Coutinho
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