sábado, 24 de maio de 2025

Um Amor de Mulher, de Leonel de Alencar - RESENHA #218

Apaixonado que sou por José de Alencar, costumo me interessar por diversos assuntos literários relacionados a ele. Qual não foi a minha surpresa ao descobrir que Alencar tinha um irmão escritor! E pouquíssima gente sabe disso. Eu descobri o fato por acaso, enquanto consultava cronologias literárias do pesquisador Sérgio Barcellos Ximenes. Imediatamente quis trazer a obra de Leonel de Alencar para meu projeto “Editora Oitocentista”, do Instagram, no qual, em parceria com alguns colaboradores, realizo o resgate de obras literárias do século XIX que ficaram esquecidas no tempo.

Decidi começar por Um Amor de Mulher, seu romance de estreia, que nunca havia sido publicado em livro. Saiu em folhetins do Jornal das Senhoras, periódico carioca que o publicou entre 28 de agosto de 1853 e 9 de abril de 1854. Leonel assinava os capítulos com as iniciais “X. Y.”, já utilizadas anteriormente na publicação do seu conto “A confissão de um suicida” (1853), na mesma folha.

O romance começou a ser escrito provavelmente quando Leonel estava prestes a concluir o curso de Direito, em São Paulo. Isso explica a atmosfera de república de estudantes, que funciona como moldura na primeira parte da obra. Ele chega a citar seu próprio nome no Capítulo VI, quando é mencionada sua participação no aniversário da sociedade acadêmica “Ateneu Paulistano”, da qual fez parte.

Mas tratemos do romance em si!

Além da narrativa principal, Um Amor de Mulher possui uma narrativa-moldura. O narrador (que seguramente é o próprio Leonel) está num grupo de estudantes, no quarto de um deles. Os amigos discutem os aborrecimentos da vida em São Paulo, que não oferece os vários divertimentos do Rio de Janeiro. Para curarem-se do tédio, um deles (que não é o narrador-personagem) decide relatar um caso passional que ocorrera em Pernambuco uma década antes.

Este relato constitui a narrativa principal, que segue uma divisão de capítulos diferente da que é feita na narrativa-moldura. A primeira cena já é bastante trivial: um estudante em visita à casa da namorada. Fernando e Lucila parecem formar um casal promissor, mas nota-se uma grande tristeza no semblante do moço, o que não passa despercebido à Lucila.

O mistério desse pesar não dura muito tempo. Fernando admite ter feito uma promessa de compromisso à sua prima Júlia, testemunhada pelo pai dela em seu leito de morte. A impulsividade da adolescência agora pesa em sua vida presente, e o dever se antepõe à sua felicidade com Lucila.

A partir dessa premissa, temos um texto que segue os padrões românticos, cheio de idealizações exageradas e descrições idílicas. Mas ao romance falta enredo: não se desenvolvem cenas relevantes que sustentem a narrativa do introito ao desfecho. A ausência da figura de um vilão também contribui com o ritmo maçante da obra, que não vai muito além das cenas de ciúmes e confidências amorosas.

Ao lado disso, não temos perspectivas muito melhores na narrativa-moldura. Os estudantes interrompem frequentemente o relato com seus comentários jocosos e zombeteiros. Na verdade, desde o início eles demonstram desinteresse pela história do amigo, chegando a dormir durante a narração, para depois abandoná-la de vez. O narrador-personagem (X. Y. ou Leonel) é o único a acompanhá-la até o final, motivado pelo interesse de recontá-la em sua coluna do Jornal das Senhoras.

Dito isso, todos pensarão que o livro me pareceu detestável, mas minha impressão felizmente foi outra. Há uma graça peculiar no manejo dos recursos estilísticos (que são vários e perpassam todo o livro): de repente, acompanhamos o narrador e o romancista a bordo do vapor “Josephina”, ambos trocando confidências; em outro momento, quando da estadia do romancista em Petrópolis, este prossegue seu relato através de cartas; mais adiante, o romance é retomado por intermédio de um mensageiro bêbado; e um dos capítulos finais chega a ser narrado por uma personagem real da história contada.

É notório que Leonel não tinha uma centelha do talento literário de seu irmão mais velho, e ele certamente tinha essa consciência. Mas é bonito ver como isso não o impediu de contribuir com a literatura da forma que pôde, como neste romance cor-de-rosa emoldurado de crônica jornalística.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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OBS.: Adquira um exemplar de Um Amor de Mulher diretamente com a editora, pelo Instagram (@editoraoitocentista) ou por e-mail (editoraoitocentista@gmail.com).

sábado, 10 de maio de 2025

Vamos Aquecer o Sol, de José Mauro de Vasconcelos - RESENHA #217

Considerando as fortes impressões que me causou O Meu Pé de Laranja Lima, que li pela primeira vez há poucos anos, é até muito natural que me interessasse pelas continuações. Foi assim que cheguei a Vamos Aquecer o Sol (1974), curioso e sedento por reencontrar o adorável Zezé.

Nosso querido personagem tem agora onze anos e já não mora com sua família no Rio de Janeiro. Seu padrinho, um médico residente em Natal, decide adotar Zezé por um tempo, para que o garoto pudesse estudar e ter melhores condições de vida. Embora, à primeira vista, a situação do personagem pareça ter melhorado significativamente, ele segue sendo aquela criança carente de amor e atenção, já que é mais tratado como agregado do que como parente.

Mas, para alegria geral dos leitores, Zezé continua sendo o menino sensível e fantasioso de sempre. Na falta de uma figura amiga em seu novo lar, ele decide fazer amizade com um sapo. Mas, obviamente, não se trata de um sapo comum. Adão usa óculos, cachecol e carrega uma malinha com todos os seus pertences; como se tudo isso já não bastasse, ele vai morar dentro do coração de Zezé. E, claro, nem preciso dizer que Adão é um sapo falante, e que ele e Zezé terão longas conversas por todo o livro.

Para suprir a figura do pai amoroso, tão bruscamente tirada dele no livro anterior, Zezé toma o grande ator Maurice Chevalier por seu pai. Maurice, após uma rotina exaustiva de gravações nos estúdios de cinema, aparece quase todas as noites ao seu querido “monpti” (que seria uma abreviação do francês “mon petit”). Eles conversam bastante também, até que Zezé adormeça depois de receber o beijo de boa noite daquele afetuoso pai.

Desde o livro anterior está claro que o grande trunfo de Zezé é a imaginação. E é simplesmente maravilhoso quando vemos o impacto dela na vida do garoto. As fantasias do personagem são tão vívidas, que por vezes elas soam mais reais que personagens de carne e osso, e que, sabemos, foram todos inspirados em pessoas reais.

Felizmente, dentre as figuras “reais”, temos o simpático irmão Fayolle, membro da ordem religiosa que coordena o colégio de Zezé. Fayolle está sempre salvando a pele de seu pupilo, pois o pestinha de O Meu Pé de Laranja Lima segue intacto nesta nova obra.

As travessuras de Zezé rendem ótimos capítulos para Vamos Aquecer o Sol. Temos desde roubo de fruta no jardim alheio a supostas aparições de almas do outro mundo. Em meio a todas essas diabruras, nosso pequeno passa por poucas e boas, chegando a ser quase devorado por um tubarão.

Há, contudo, uma quebra de ritmo na parte final do romance, quando o autor faz alguns saltos temporais. Os episódios transcorrem mais apressadamente. Acredito que José Mauro, percebendo que o livro já estava bastante encorpado (Vamos Aquecer o Sol é o mais extenso da trilogia), optou por correr um pouco nos capítulos da adolescência do protagonista.

Em compensação, o capítulo final é uma preciosidade que só escritores de pena sensível, como José Mauro, conseguem escrever; ele encerra o livro com um misto de emoção e criatividade, deixando o leitor plenamente satisfeito. No fim das contas, Vamos Aquecer o Sol é justamente isso: esse misto de artifícios e sentimentos, que nos mantém presos à leitura e quase sempre indecisos sobre se ficamos tristes ou felizes com ela.

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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