Apaixonado que sou por José de Alencar, costumo me
interessar por diversos assuntos literários relacionados a ele. Qual não foi a
minha surpresa ao descobrir que Alencar tinha um irmão escritor! E pouquíssima
gente sabe disso. Eu descobri o fato por acaso, enquanto consultava cronologias
literárias do pesquisador Sérgio Barcellos Ximenes. Imediatamente quis trazer a
obra de Leonel de Alencar para meu projeto “Editora Oitocentista”, do Instagram,
no qual, em parceria com alguns colaboradores, realizo o resgate de obras
literárias do século XIX que ficaram esquecidas no tempo.
Decidi começar por Um Amor de Mulher, seu romance
de estreia, que nunca havia sido publicado em livro. Saiu em folhetins do Jornal
das Senhoras, periódico carioca que o publicou entre 28 de agosto de 1853 e
9 de abril de 1854. Leonel assinava os capítulos com as iniciais “X. Y.”, já
utilizadas anteriormente na publicação do seu conto “A confissão de um suicida”
(1853), na mesma folha.
O romance começou a ser escrito provavelmente
quando Leonel estava prestes a concluir o curso de Direito, em São Paulo. Isso
explica a atmosfera de república de estudantes, que funciona como moldura na primeira
parte da obra. Ele chega a citar seu próprio nome no Capítulo VI, quando é
mencionada sua participação no aniversário da sociedade acadêmica “Ateneu
Paulistano”, da qual fez parte.
Mas tratemos do romance em si!
Além da narrativa principal, Um Amor de Mulher
possui uma narrativa-moldura. O narrador (que seguramente é o próprio Leonel)
está num grupo de estudantes, no quarto de um deles. Os amigos discutem os
aborrecimentos da vida em São Paulo, que não oferece os vários divertimentos do
Rio de Janeiro. Para curarem-se do tédio, um deles (que não é o narrador-personagem)
decide relatar um caso passional que ocorrera em Pernambuco uma década antes.
Este relato constitui a narrativa principal, que
segue uma divisão de capítulos diferente da que é feita na narrativa-moldura. A
primeira cena já é bastante trivial: um estudante em visita à casa da namorada.
Fernando e Lucila parecem formar um casal promissor, mas nota-se uma grande
tristeza no semblante do moço, o que não passa despercebido à Lucila.
O mistério desse pesar não dura muito tempo. Fernando
admite ter feito uma promessa de compromisso à sua prima Júlia, testemunhada
pelo pai dela em seu leito de morte. A impulsividade da adolescência agora pesa
em sua vida presente, e o dever se antepõe à sua felicidade com Lucila.
A partir dessa premissa, temos um texto que segue
os padrões românticos, cheio de idealizações exageradas e descrições idílicas. Mas
ao romance falta enredo: não se desenvolvem cenas relevantes que sustentem a
narrativa do introito ao desfecho. A ausência da figura de um vilão também contribui
com o ritmo maçante da obra, que não vai muito além das cenas de ciúmes e
confidências amorosas.
Ao lado disso, não temos perspectivas muito
melhores na narrativa-moldura. Os estudantes interrompem frequentemente o
relato com seus comentários jocosos e zombeteiros. Na verdade, desde o início
eles demonstram desinteresse pela história do amigo, chegando a dormir durante
a narração, para depois abandoná-la de vez. O narrador-personagem (X. Y. ou Leonel)
é o único a acompanhá-la até o final, motivado pelo interesse de recontá-la em
sua coluna do Jornal das Senhoras.
Dito isso, todos pensarão que o livro me pareceu detestável,
mas minha impressão felizmente foi outra. Há uma graça peculiar no manejo dos
recursos estilísticos (que são vários e perpassam todo o livro): de repente,
acompanhamos o narrador e o romancista a bordo do vapor “Josephina”, ambos
trocando confidências; em outro momento, quando da estadia do romancista em
Petrópolis, este prossegue seu relato através de cartas; mais adiante, o
romance é retomado por intermédio de um mensageiro bêbado; e um dos capítulos
finais chega a ser narrado por uma personagem real da história contada.
É notório que Leonel não tinha uma centelha do
talento literário de seu irmão mais velho, e ele certamente tinha essa consciência. Mas é
bonito ver como isso não o impediu de contribuir com a literatura da forma que
pôde, como neste romance cor-de-rosa emoldurado de crônica jornalística.
Avaliação: ★★★
Daniel
Coutinho
***
Instagram: @autordanielcoutinho
E-mail para contato: autordanielcoutinho@gmail.com