domingo, 15 de dezembro de 2024

Correio da Roça, de Júlia Lopes de Almeida - RESENHA #214

Correio da Roça é um caso à parte na obra romanesca de Júlia Lopes de Almeida. Publicado inicialmente em folhetins d’O País entre 1909 e 1910, e posteriormente em livro (1913), a obra funciona como um romance didático, cujos fins estavam bem delineados desde antes de sua composição.

D. Júlia pretendia instruir seu público, predominantemente feminino, quanto aos benefícios advindos do cultivo da terra e da criação de animais. Para tanto, ela se utiliza de um romance epistolar que explora uma situação bastante conveniente às suas intenções: Maria, após a morte do marido, vê-se em apertos financeiros, sendo obrigada a partir com as quatro filhas para uma fazenda na serra, única propriedade que lhe restara.

É a partir desse contexto que se inicia uma assídua correspondência, primeiramente entre Maria e Fernanda, uma amiga da capital, mas que logo depois envolve outros personagens. Maria lamenta-se com a amiga, relatando a vida tediosa na serra, como também a insatisfação de suas filhas, meninas instruídas que ficavam, portanto, impossibilitadas de fazerem bom uso de seus conhecimentos variados.

Fernanda, de sua parte, surpreende Maria por enxergar a situação sob outra perspectiva; a seu ver, todo o conhecimento das quatro filhas da amiga poderia ser de grande utilidade perante aquelas novas circunstâncias. Fernanda enumera várias possibilidades de ocupações, que vão desde o cultivo de violetas até a criação de novas estradas. Suas cartas são enriquecidas com informações que compreendem experiências do mundo todo, o que sugere claramente ser esta personagem um alter ego de D. Júlia.

As sugestões de Fernanda causam certo estranhamento a princípio, mas, quando aplicadas, elas revelam resultados inacreditáveis. Cecília, Cordélia, Joaninha e Clara dedicam-se a diferentes tarefas, que contemplam a educação dos filhos dos colonos, o cultivo de flores, a criação de um pomar e até mesmo a restauração de uma segunda fazenda menor, que Maria herdara do pai.

As atividades das meninas inevitavelmente as inserem na correspondência e, logo, outros personagens também tomam parte nela. É visível a preocupação da autora em não permitir que o livro se torne um manual sobre a vida no campo. Embora boa parte do texto se concentre nas obras de Maria e suas filhas, outros acontecimentos mais romanescos favorecem o ritmo da narrativa.

Correio da Roça, como esperado, causou um impacto bastante positivo, sendo reeditado pelo menos mais cinco vezes até o início da década de 30. Com a publicação de novos livros, mais direcionados e mais completos quanto ao tema, o romancete epistolar de D. Júlia acabou ficando ultrapassado, e talvez que fosse inteiramente esquecido, não fossem os aspectos literários que o conservaram.

Com ser um romance didático, Correio da Roça certamente não é livro para todos. Não é, portanto, a obra certa para quem deseja conhecer a ficção da autora de A Falência. Mas os apreciadores veteranos como eu acharão nas páginas desse livro o delicioso encanto, cuja fórmula D. Júlia conhecia tão bem.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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