Foi uma grata surpresa a leitura d’O Filho do Pescador, realizada ano
passado. Sinceramente esperava por algo bem pior. Mas, como quem espera sempre
alcança, Teixeira e Sousa maçou-me um bocado com seu prolixo As Tardes de um Pintor ou As Intrigas de um Jesuíta (1847).
Segundo romance do autor, nele infelizmente não
vislumbrei crescimento em relação à obra de estreia. Aqui temos uma prosa que
peca por excessos que, quando muito, serviram para dar volume ao livro. De
fato, a extensão das Tardes fez com
que sua edição princeps saísse
originalmente em três tomos. Tivesse o autor enxugado o texto, acomodando-o num
volume mais modesto, teríamos, senão um belo livro, pelo menos um passatempo
razoável.
Arrisco dizer que o primeiro capítulo é o mais
interessante, o que talvez tenha colaborado à má recepção que fiz da obra. O
artifício de unir ficção e realidade foi bem executado, exceto por sugerir uma
promessa que não pôde ser cumprida: o relato de uma história deveras atraente. Mesmo
a um leitor da primeira metade do século XIX, o enredo passaria por antiquado,
levando-se em conta os modelos ultrapassados de um autor que era aficionado
confesso dos tempos coloniais.
Foi pois com entusiasmo que dei confiança à
tentativa (tão comum entre os românticos) de se conferir veracidade à trama principal.
Imaginei aquele projeto de escritor, na flor de sua adolescência, ouvindo todas
as tardes a história da bela senhora do retrato, contada pelo misterioso pintor
que o fizera prometer publicá-la um dia. Digam se não é um artifício
promissor!?
Pois a tal senhora do retrato é uma dessas
personagens desenxabidas que tudo o que sabem fazer é serem belas e desmaiarem
por qualquer desgosto. Clara, nossa heroína, é pintada com todas as cores da
escola romântica, para ser digna do mocinho probo que lhe é dado de parelha, o
poético Juliano. Esse galante casal obviamente não poderia viver só de poesia e
silêncios misteriosos, sem causar inveja a algum vilão. Para tal papel temos o lascivo
padre Roberto, o jesuíta das intrigas referidas no título alternativo.
Roberto é um falso sacerdote que, fiado em seu
ateísmo, defende a felicidade própria a qualquer custo, mesmo a vida de outrem.
Apaixonado de Clara, vive cercando a jovem, valendo-se da amizade que tem com o
pai dela, o senhor Paulo. Quando, porém, é anunciado o casamento de sua amada
com Juliano, padre Roberto vê-se obrigado a tirar o bom moço do caminho. Se eliminado
este empecilho, pretendia o vilão persuadir Paulo para que casasse a filha com
o licenciado Leôncio. O caso é que os dois (Roberto e Leôncio) têm um trato:
após o casamento, o licenciado partiria com o dinheiro da moça, ficando esta à
mercê do terrível jesuíta.
A dificuldade está em dar cabo de Juliano que,
como todo herói romântico, é protegido por uma boa estrela que o salva de mil
atentados. O livro segue portanto nessa corrida de gato e rato, entremeada por
descrições, digressões e diálogos infindáveis. Alguns parágrafos eram tão
longos e pormenorizados, que não poucas vezes meus olhos percorriam o texto
enquanto minha mente repassava as tarefas do dia rs.
Também era inevitável a sensação de estar
andando em círculos, dadas as circunstâncias repetitivas: eram tantos
atentados, tantos rebuçados, tantos vultos, tantos disfarces... Mas talvez o
mais decepcionante tenha sido a culminância de toda essa lenga-lenga num
desfecho previsível e lacrimoso.
Mas, colocando panos quentes na resenha, vale
salientar o contexto histórico empregado pelo autor (a partir das batalhas
envolvendo os Sete Povos das Missões), o que lhe rendeu o pioneirismo na
utilização da figura do índio em prosa de ficção nacional. Também é digno de
nota o simpático Ligeiro que, fazendo jus ao nome, com suas ligeirezas, salvou
o livro por diversas ocasiões, sobretudo na passagem do leigo rs.
As
Tardes de um Pintor dificilmente agradará o leitor contemporâneo.
Possivelmente só terá algum valor e interesse para quem, como eu, for curioso e
entusiasta da literatura brasileira dos oitocentos. Se não vos animei a
encararem tal experiência, talvez sirva de consolo revelar que o livro não me
desmotivou a prosseguir com os demais títulos do nosso primeiro romancista.
Para o ano que vem, devo ler A Providência
ou As Fatalidades de Dous Jovens?
Talvez acabe preferindo Maria ou A Menina Roubada rs.
Avaliação: ★★
Daniel Coutinho
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