sábado, 7 de junho de 2025

A Megera Domada (The Taming of the Shrew), de William Shakespeare - RESENHA #219

Ainda não tinha me aventurado pelo Shakespeare comediógrafo. Só havia lido as tragédias mais famosas. Não me causou grande surpresa o tom humorístico do bardo. Quem já leu as tragédias bem sabe que o senso de humor shakespeariano está sempre rondando a cena dramática, conferindo um toque de suavidade que faz um contraponto inteligente com o trágico.

Barbara Heliodora acredita que A Megera Domada tenha sido composta em 1593. Existe uma grande possibilidade do núcleo principal ter sido adaptado de outra comédia inglesa (hoje dada como perdida) de título quase homônimo. O núcleo secundário é uma releitura da comédia I Suppositi, de Ludovico Ariosto.

Temos um divertido prólogo-moldura na comédia, que introduz o tom hilário da peça com muita graça. Nele, um funileiro bêbado é ludibriado por um lorde trocista que faz o pobre homem acreditar que na verdade é um nobre rico. Convencido de que sua vida de homem simples fora um devaneio de longos anos, o funileiro recebe de bom grado mil regalias, inclusive a oportunidade de assistir a uma curiosa comédia, que é nosso objeto principal. Pareceu-me lamentável que Shakespeare não tenha acrescentado um epílogo onde retomasse o artifício do prólogo, deixando assim como que uma ponta solta.

Passando ao argumento principal, a história se passa em Pádua, na Itália, e se concentra basicamente nos lances amorosos das filhas de Batista. Bianca, a filha mais nova, possui muitos pretendentes, mas seu pai se nega a casá-la antes de Katherina, a filha mais velha. Esta, de gênio irascível, afugenta todos os homens que se aproximam dela, e por isso é uma “megera”.

Mas os vários pretendentes de Bianca terão uma luz de esperança na figura de Petrucchio. Este “cavalheiro” de Verona aproxima-se de Katherina, inicialmente motivado pela riqueza da jovem, mas logo depois acalentando um prazer pelo desafio de possuí-la. Batista, não querendo perder a oportunidade de casar a filha geniosa, consente imediatamente no casamento, mesmo Katherina não demonstrando interesse no enlace.

Casados, Katherina e Petrucchio passam a lidar com suas diferenças, e isso não se dá certamente de forma amigável. O método do esposo para “domar sua megera” é bem o que prega um ditado popular daqui do Ceará: “Remédio pra doido é doido e meio”. Assim, ele potencializa os defeitos da esposa em si próprio, mostrando-se irado, desalmado e intransigente em todas as situações.

Há uma discussão ferrenha em torno desta peça no que se refere ao machismo que ela aparentemente expõe. O comportamento radical de Petrucchio chega mesmo a ser irritante, e a forma passiva como Katherina reage às ações do marido causa incômodo no espectador, mormente no espectador contemporâneo. Mas essa imagem da fragilidade cedendo à força bruta esconde sob sua superfície um outro ponto que gostaria de destacar.

É possível perceber uma tensão sexual muito forte nas cenas entre Katherina e Petrucchio. Ela, consciente de que não tinha as qualidades da irmã, deveria se sentir inferior e ter mesmo algum complexo de aparência. A insistência de Petrucchio por “domá-la” talvez que até a excitasse. Barbara Heliodora chega a falar de amor à primeira vista, além de entender, na aplicação do método de Petruchio, um jogo consensual que resultará na conciliação do casal. Mas a mim me pareceu que Katherina surpreende-se consigo mesma, ou com impulsos de seu próprio corpo que ela não supunha tão determinantes numa mulher. Na minha leitura, essa atração inevitável pelo ser que se empenha por ela é que a faz ceder, independentemente do machismo que possa ou não haver em cena.

O núcleo de Bianca e seus pretendentes é mais aplicável à comédia, e de fato diverte, embora não tenha ganhado o meu interesse como a tensão entre Katherina e Petrucchio. Shakespeare usa e abusa de disfarces, mentiras e trapaças que divertem o público, ao tempo que criticam os jogos de poder e interesse sugeridos em cena.

Sendo honesto, eu esperava apreciar mais A Megera Domada, que é até agora, das peças que li do bardo, a que menos gostei. Estarei mais inclinado às tragédias? Talvez. Mas o que mais me incomodou na presente comédia foi uma impressão de insuficiência, como se a parte que mais me interessou não tivesse tido o espaço devido. Mas, ao final, ler Shakespeare nunca será empregar mal o tempo. É sempre um novo aprendizado.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

***


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