segunda-feira, 11 de abril de 2016

Queda que as Mulheres Têm para os Tolos, de Victor Hénaux - RESENHA #9

Victor Hénaux é uma verdadeira incógnita e o seria ainda mais se Machado de Assis não tivesse traduzido seu polêmico ensaio satírico De l'amour des femmes pour les sots, tradução esta publicada pela primeira vez no periódico A Marmota, em 1861, sob o título Queda que as mulheres têm para os tolos, sem nenhuma indicação de autor. No mesmo ano, Paula Brito, o responsável pela folha já citada, faz imprimir em opúsculo o tal ensaio, indicando Machado de Assis como tradutor.

Imaginou-se a partir daí que o livrinho era original do jovem Machado que estreava na Literatura com aquele texto. O certo é que ele passou por autor desse livreto por muito tempo, o que nos leva a crer que preferiu não revelar o nome do verdadeiro autor, o belga Victor Hénaux. A obra chegou a ser considerada a estreia de Machado como dramaturgo; eis o que não entendi, porque Queda... não traz a forma característica de um texto teatral. A verdade é que seu conteúdo “apenas inspirou” a peça Desencantos, e há quem diga que Ressurreição e até mesmo Dom Casmurro receberam também alguma influência da obra de Hénaux. Apenas em 1969, o crítico Jean-Michel Massa, em sua tese de doutorado, confirmaria o fato do texto de Machado em Queda... não ser original e sim tradução. Todas essas informações estão minuciosamente esclarecidas na edição bilíngue da obra, lançada em 2008 pela UNICAMP, tendo como organizadoras Ana Cláudia Suriani e Eliana Fernanda Cunha Ferreira.

A referida edição traz introdução crítico-filológica das organizadoras que se propõem a “provar” a autoria do ensaio. Para tanto, elas cotejaram duas edições do original de Victor Hénaux e pelo menos três edições da tradução de Machado. É apresentada uma comparação entre as edições consultadas e muitas variantes são percebidas; daí, as organizadoras especificam os cuidados tomados para o estabelecimento do texto, como a decisão de incluir as variantes nas notas de rodapé. O texto delas é bastante técnico, o que desagrada um pouco a leitura, mas deve-se levar em conta que o mesmo constitui um trabalho acadêmico. Isso nos leva a perceber/lembrar que há uma diferença entre o escritor e o redator; o primeiro escreve com seu próprio estilo, despreocupado com exigências acadêmicas; o outro carece do estilo do primeiro, o que não influi em nada, uma vez que seu propósito é meramente científico. Preferia uma introdução de um escritor e não de um acadêmico, pois me interessaria mais pela análise ou ponto de vista sobre a obra em questão, que pela informação irrelevante de que o exemplar-base foi encadernado em capa dura vermelha com outras duas obras de diferentes autores.


Mas passemos logo à obra de Hénaux que, como disse, é breve. Dividido em 13 capítulos, o ensaio em questão foi e não deixa de ser polêmico, uma vez que não deixa de ser atual. O autor nos apresenta duas classes de homens: os tolos e os de espírito, para fazer uso dos seus próprios termos. Quanto às mulheres, sejam tolas ou sábias, afirma serem inclinadas por um instinto natural aos homens tolos. É importante, contudo, advertir que o propósito do ensaio é mais investigar o gênio das duas classes de homens identificadas, que desmerecer a desculpável condição feminina.

No entanto, é meio difícil saber quando o autor está ou não sendo irônico, ou se ele de fato defende os tolos ou os homens de espírito, quando alega escrever com imparcialidade. Logo na Advertência do opúsculo, ele nos diz: “Quanto à imparcialidade que presidiu a redação deste trabalho, creio que ninguém a porá em dúvida./Exalto os tolos sem rancor, e se critico os homens de espírito, é com um desinteresse, cuja extensão facilmente se compreenderá.” (Queda..., pág. 43).

Portanto, vou partir de hipóteses particulares, provenientes do que pude absorver da leitura, que mesmo sendo simples, é capaz de provocar múltiplos questionamentos. Parto da ideia de que Hénaux é dos homens de espírito que, desiludido com a vulgaridade feminina, defende a preferência das mulheres pelo homem tolo ou vulgar, dada a parecença do mesmo com o gênio feminino.

Segundo o autor, os homens de espírito encaram o amor como um sentimento verdadeiro que deve ser zelado e respeitado, por isso veem as mulheres como seres altivos (ainda que não o sejam), que devem ser atendidos e agradados com frequência; tudo isso com um sentimento superior, poético e capaz de identificar os mínimos detalhes das coisas.

Por outro lado, os tolos são seres felizes, pois acreditam cegamente nas suas qualidades (ainda que não as tenham). Eles já nascem tolos, mas a toleima natural é capaz de fortificar-se conforme vai sendo utilizada. O amor do tolo é um sentimento vulgar e inconstante, que vai sendo alimentado a partir de técnicas prontas, como modelos de cartas para todos os graus de paixão, provocações propositais, indiferenças e até mesmo alguma dose de desprezo, além do diálogo tagarela que agrada e contenta as damas.

Nestas condições, os homens de espírito são repudiados, enquanto os tolos, desejados pelas mulheres que não lhes resistem. O autor ainda defende-se de antemão para o caso de alguém acusá-lo de ofender o sexo feminino. Ele alega que as mulheres não são senhoras de sua natureza e que agem impulsionadas por instintos incontroláveis, sendo desculpadas por serem belas, apetitosas e cegas. Alega ainda que as senhoras são atraídas por homens elogiados, bem vestidos e homenageados.

Não digo que não ri lendo esse livro. A perspicácia do autor, contudo, chega a ser irritante. Isso porque ele generaliza o sexo feminino mediante suas teorias, o que é bastante injusto, ainda para o século XIX. (Que desilusão terá sofrido esse Hénaux, hem?) O pensamento de Hénaux se encaixa perfeitamente em mulheres até dos dias atuais (e que quantidade de mulheres!), mas sou daqueles que ainda acredita na existência de mulheres desprovidas de vulgaridade, mulheres de espírito, mulheres que não têm queda pelos tolos.

Avaliação: ★★

Daniel Coutinho

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2 comentários:

  1. Tenho que apresentar um trabalho sobre o livro, tem algum vide-o ou algum do tipo pra mim ajudar?

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    1. Olá, Alexandre
      Que bom que gostou! Na internet não há muito conteúdo a respeito dessa obra. Mas se precisa mesmo fazer um trabalho, o ideal é que leia o livro, que é bem curtinho por sinal. Essa edição que li, da UNICAMP, é uma das melhores, não só por ser bilíngue, mas por conter bons textos de apoio das pesquisadoras que organizaram a edição. Boa sorte no trabalho!

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